Se você é um usuário moderado ou intensivo de mídias sociais, é capaz que já tenha percebido mudanças de comportamento tanto quando está on-line quanto off-line. Sentimentos negativos, como revelam alguns estudos, tendem a prevalecer. É comum sentirmos raiva e indignação quando confrontados com opiniões e postagens que divergem de nossas posturas e valores, assim como é corriqueiro o arrependimento após termos escrito algum comentário agressivo ou dado alguma resposta quando o silêncio teria sido melhor.
Já sabemos que, nas redes sociais, os produtos somos nós mesmos, o fluxo contínuo de dados pessoais que geramos para serem abocanhados e digeridos pelos diversos algoritmos. Tais dados não estão circunscritos ao que revelamos gostar ou não gostar ou às opiniões que expomos. Eles são também desvelados pelas emoções que inevitavelmente influenciam nosso comportamento nas redes sociais. Portanto, o poder de manipulação dos algoritmos é bem mais abrangente do que gostaríamos de imaginar. Exemplo recente disso foi a bem-sucedida campanha publicitária da marca de chocolate Snickers na Austrália. Snickers são aquelas barras de embalagem marrom e verde recheadas de caramelo e quantidades colossais de açúcar.
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A campanha demorou cerca de um ano para ser lançada e contou com o apoio de pesquisadores do prestigioso MIT, assim como da empresa Google. Tratou-se de elaborar um algoritmo customizado capaz de analisar 14 mil postagens por dia no Facebook, no Twitter e no YouTube. Como o experimento foi feito na Austrália, o algoritmo incorporou a interpretação de gírias locais, bem como o uso do sarcasmo para medir a temperatura emotiva dos usuários. Em tempo: o slogan do chocolate Snickers reza, há muito, que “você não é você quando você está com fome” (“You are not you when you’re hungry”). O algoritmo levou o slogan para outro patamar.
Quando estamos com fome, ficamos mais suscetíveis a sentimentos negativos, como raiva, frustração, indignação.
O algoritmo desenvolvido pelo MIT e pela Google era, portanto, uma espécie de “raivoritmo e fomeritmo”, isto é, uma tentativa de captar os sentimentos negativos relacionados a estar com fome em determinado momento. Para tanto, priorizou o rastreamento de usuários das redes nos momentos em que poderiam estar especialmente frustrados e, quiçá, com fome: durante engarrafamentos, durante dias de clima ruim, em meio a discussões políticas acirradas ou após algum evento esportivo com grande potencial de consternação. Identificados os usuários, eles recebiam pelo celular cupons para comprar barras de Snickers com desconto nas lojas 7-Eleven mais próximas de onde estavam. Vídeos e anúncios eram especificamente deslanchados em momentos de alto potencial de raiva e indignação, por exemplo, após algum post ou notícia sobre o Brexit, sobre Donald Trump ou sobre as eleições australianas, todos eventos de alta relevância em 2016, época da campanha. A cada dez minutos, ou 144 vezes por dia, os anúncios e vídeos eram atualizados pelo algoritmo para o público-alvo, o que levou o preço das barras de Snickers a mudar mais de 5 mil vezes durante as cinco semanas de duração da campanha. As vendas do chocolate subiram cerca de 70% no período, enquanto a visibilidade da marca no Facebook e no Twitter ganhou enorme proeminência. No fim, o “raivoritmo” foi um estrondoso sucesso na Austrália.
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Para o leitor que chegou até aqui, o ponto deve estar assustadoramente claro. Ainda que não gostemos muito de chocolate — ou da barra Snickers —, a raiva, as decepções, as brigas virtuais inúteis e as pegadas de mágoas e frustrações que registramos todos os dias nas redes sociais alimentam os algoritmos insidiosos e perniciosos que nos rastreiam o tempo todo. Tão sofisticados estão que já são capazes de manipular nossas emoções de forma imperceptível, alterando nosso comportamento e induzindo-nos a tomar decisões de consumo que podem não nos favorecer ou serem até prejudiciais a nossa saúde. Em apenas 44 gramas, a barra de Snickers contém 30% do montante diário de gordura saturada e empacota nada menos do que 215 calorias ou cerca de 40 minutos na esteira correndo em ritmo moderado.
Não custa pensar nisso antes de sucumbir àquela coceira no dedo para “lacrar” no Twitter ou à tentação de escrever post polêmico no Facebook. Afinal, minutos ou dias depois ninguém se lembrará de sua incrível perspicácia, mas lá estará sua marca pessoal nos raivoritmos das redes para que possam continuar a cupinizá-lo.
Fonte: “Época”, 12/07/2018