A menos de um mês do início oficial da campanha presidencial, os principais pré-candidatos exploram brechas da legislação eleitoral para antecipar a busca de votos país afora. Desde 2017, a Procuradoria-Geral Eleitoral já recebeu cerca de 180 denúncias e representações contra a instalação de outdoors que exaltam o pré-candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro, em 24 estados. A Procuradoria só não recebeu denúncias vindas dos estados do Amazonas, Amapá e Piauí. Apesar do grande volume de representações, a maioria ainda sob análise do procurador-geral eleitoral, Humberto Martins, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não chegou a uma definição sobre se a prática deve ser vedada.
O pré-candidato do PSL é o campeão de representações no TSE por suposta propaganda eleitoral antecipada até agora. Ao todo são 12 somente neste ano, das quais apenas uma não envolve a instalação de outdoors. Nem sempre as representações têm Bolsonaro como alvo. Miram pessoas físicas e jurídicas que estariam atuando em apoio a ele na instalação dos outdoors. Das representações que tratam dos cartazes, cinco são do Ministério Público Eleitoral, quatro do PT e duas do PSOL.
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Até agora, porém, o tribunal arquivou as representações dos partidos por entender que eles não têm legitimidade para esses casos. Em relação ao MPE, apenas um pedido liminar foi acatado no começo de março, ocasião em que o ministro Og Fernandes determinou a retirada de um outdoor na BR 110 com a mensagem “o sertão de Pajeú com Bolsonaro e Joel da Harpa”, apresentando o segundo nome como suposto candidato a vice de Bolsonaro.
INCERTEZAS TAMBÉM NAS REDES
No dia 1º de fevereiro, porém, o presidente do TSE, ministro Luiz Fux, negou uma liminar semelhante pedindo a retirada de outdoors que exaltam o pré-candidato nos municípios baianos de Paulo Afonso, Glória e Santa Brígida. Na ocasião, Fux entendeu que não estavam presentes as condições que configuram propaganda antecipada, como o pedido explícito de votos. O procurador-geral eleitoral já recorreu da medida e alegou, entre outros argumentos, que “imaginar que peças publicitárias de um candidato em uma eleição não contenham pedido explícito de votos é subestimar a inteligência dos publicitários, de candidatos e eleitores”.
O caso ainda não foi analisado, e a expectativa é que o TSE acabe por julgar em conjunto as representações depois do recesso judiciário. Enquanto isso, nos estados, a Justiça Eleitoral tem mandado retirar outdoors de Bolsonaro, mesmo sem pedido explícito de votos. No dia 9 de julho, por exemplo, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul determinou a desmontagem de outdoor em Santa Rosa (RS).
Em fevereiro, foi a vez de o TRE do Espírito Santo determinar a remoção de um outdoor sobre o presidenciável instalado em Vilha Velha. Nesse caso, porém, nem foi necessário que as autoridades removessem o material, pois quando o tribunal emitiu a decisão, já havia vencido o prazo para o qual a propaganda fora contratada, e o outdoor fora substituído.
A assessoria de Bolsonaro informou que o deputado não colocou os outdoors questionados e que os cartazes são fruto de manifestação popular. Assim, diz a assessoria, o pré-candidato não tem o que fazer a respeito.
Se as regras para a pré-campanha não são claras no mundo real, apresentam ainda mais brechas quando o assunto é propaganda nas redes sociais. Dezenas de ações no TSE pedem remoção de conteúdos considerados ofensivos ou falsos. Um desses casos foi julgado no fim de junho, quando o TSE teve que arbitrar mais um embate entre Jair Bolsonaro e Geraldo Alckmin (PSDB). Além de Alckmin, a ação movida por Bolsonaro e o PSL tinha como alvos a Google e a empresa americana GoDaddy, que comercializa domínios para sites.
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A campanha de Bolsonaro identificou uma prática sofisticada usada por auxiliares de Alckmin: toda vez que um perfil do Facebook comentava nas publicações do tucano certas expressões favoráveis a Bolsonaro, um robô enviava automaticamente um texto para o usuário. A mensagem sugeria que o eleitor fizesse uma pesquisa sobre o candidato do PSL e repassava um link, que remetia para a busca “motivos para votar Bolsonaro”. O primeiro resultado apresentado pelo Google é o site “Motivos para votar em Bolsonaro”, registrado de maneira anônima nos Estados Unidos. Apesar de simular apoio, trata-se de uma página contrária ao ex-capitão, que lista 20 links com conteúdos negativos ao pré-candidato do PSL.
DECISÃO NÃO IMPEDE USO DE TECNOLOGIA
Na decisão liminar, o ministro Sérgio Silveira Banhos determinou que o site fosse removido em 48 horas. Ele ainda afirmou que “a propaganda antecipada foi potencializada pela utilização de inteligência artificial, instalada no perfil oficial do pré-candidato Geraldo Alckmin no Facebook”.
Apesar da decisão, O GLOBO constatou que o perfil de Alckmin continua utilizando o robô, e o site permanece no ar. Procurada, a campanha de Alckmin defendeu o redirecionamento, afirmando que “é direito de todo eleitor buscar informações de pré-candidatos”. O comitê do tucano ainda negou ser responsável pela manutenção do site e de um perfil no Twitter ligado a ele: “A pré-campanha não tem relação com o conteúdo, hospedagem ou manutenção deste site, não tem nenhuma responsabilidade sobre ele e desconhece sua autoria. O mesmo se aplica ao seu perfil no Twitter”, afirmou.
Outro exemplo de candidatos se utilizando da falta de regras claras sobre o que é permitido na pré-campanha foi dado por Henrique Meirelles (MDB). Como noticiou ontem o colunista do GLOBO Ancelmo Gois, eleitores estão recebendo ligações telefônicas supostamente para responder a uma pesquisa.
No entanto, a ligação, de pouco mais de um minuto, pode servir como um subterfúgio para informar sobre a biografia do candidato, perguntando se o eleitor sabia que “foi durante o período em que Meirelles foi ministro da Fazenda que o Brasil teve sua menor taxa de inflação em 20 anos, e a menor taxa de juros”. Em cerca de 45 segundos a frase é repetida três vezes . Questionado se a ligação configurava uma propaganda disfarçada, o ex-ministro afirmou na manhã de ontem, durante evento com empresários no Rio, que “tudo isso está dentro das regras”.
— Não (é propaganda), isso é simplesmente uma pergunta. Todos os candidatos fazem essas perguntas. Existem pesquisas no país inteiro que perguntam se sabe disso ou daquilo — afirmou o emedebista. — Tudo isso está dentro das regras e absolutamente dentro do que a jurisprudência prevê para a pré-campanha eleitoral. No momento em que começa a campanha existe a propaganda eleitoral e tudo é regulado dentro da legislação.
Perguntado sobre a legalidade desse tipo de pesquisa, o TSE não respondeu até o fechamento desta edição.
Fonte: “O Globo”