A dois meses da eleição, o quadro ainda está indefinido. Dois fatores tornam a situação deste ano mais turbulenta e difícil de prever. Primeiro, a insistência do PT na candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo, o desempenho de um candidato desvinculado do sistema político, o deputado Jair Bolsonaro.
A depender da vontade expressa pelo eleitor, ninguém satisfaz. Mesmo nas pesquisas estimuladas, algo como 40% dizem não saber em quem votar, afirmam anular ou votar em branco.
O sentimento antipolítico, consequência da devassa provocada pela Operação Lava Jato nos principais partidos, favorece a candidatura Bolsonaro. Ela manifesta maior solidez, embora enfrente desafios substanciais para crescer.
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A condenação e prisão de Lula contribuíram para reerguer sua popularidade, apoiada no discurso de “vítima” da Justiça, das “elites” e da “mídia”. Sua situação, inédita e insólita, embaralha o cenário.
A esta altura, a definição do quadro dependerá de duas questões:
1. Qual será o poder de transferência de voto de Lula, legalmente impedido de concorrer pela Lei da Ficha Limpa, a quem quer que venha a ser o candidato petista?
2. Qual será a capacidade de Bolsonaro, sem tempo de propaganda na TV nem estrutura partidária, estender o fascínio que exerce sobre seu eleitor fiel a setores da sociedade em que enfrenta dificuldades (em especial, as faixas de menor nível de renda e instrução)?
Nenhuma das duas perguntas tem resposta simples. A primeira depende de uma situação que o país jamais viveu: um pré-candidato preso, de um partido estruturado, ainda popular no Nordeste e nas camadas mais pobres da população, mas incapaz de oferecer resposta satisfatória à corrupção ou ao descalabro econômico que resultaram no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
A força inegável do lulismo em todas as últimas eleições presidenciais terá de superar ainda o avanço da candidatura Ciro Gomes sobre seus redutos eleitorais no Nordeste e em partidos e movimentos sociais tradicionalmente ligados ao PT.
É um embate de resultado incerto. Mas é difícil que, em virtude da popularidade de Lula, o candidato petista deixe de angariar um percentual expressivo de votos. Se houver alguém desse campo político no segundo turno, o mais provável é que seja o petista, não Ciro.
A resposta à segunda questão é ainda mais difícil. A propaganda na televisão mudou o cenário das últimas corridas presidenciais. Desta vez, contudo, o tempo será mais curto – apenas 45 dias. O candidato Geraldo Alckmin, do PSDB, detém o maior arco de alianças partidárias e quase metade do tempo no horário eleitoral gratuito. Mas será isso suficiente para superar Bolsonaro?
Tudo dependerá da reação do eleitor ainda indefinido, pobre, sem muita instrução, que não tem lá muita simpatia por Lula, PT ou a esquerda. Será, para esse eleitor, mais fácil ser seduzido pelo discurso populista contra a violência, contra a corrupção e contra o sistema político apodrecido – ou pelo conhecido “picolé de chuchu”? Não há muita dúvida de que Bolsonaro sai na frente.
É possível que o quadro mude até o início de outubro? Sim. A esta altura da corrida, contudo, o segundo turno mais provável opõe duas forças antagônicas.
De um lado, o ex-capitão que faz apologia do regime militar, desdenha os direitos humanos, proclama-se ignorante em economia, não tem experiência em gestão pública, nenhuma estrutura partidária nem apoio parlamentar para pôr em prática qualquer programa, cuja ideologia rasteira o aproxima do populismo nacionalista de Trump, Putin e congêneres.
Do outro, um partido que levou o país à bancarrota, tem uma visão equivocada e ignorante sobre questões econômicas, espoliou o Estado para financiar mamatas a toda sorte de apaniguados, faz a apologia do crime cometido “em nome da causa”, aliou-se à banda mais fisiológica e corrupta do Congresso para tentar governar, cuja ideologia rasteira o aproxima do autoritarismo socialista de Fidel, Chávez e congêneres.
Não se sabe quem vencerá, mas parece evidente que o Brasil já perdeu.
Fonte: “G1”, 31/07/2018