O mundo passa por uma profunda reorganização geopolítica. O amanhecer da economia digital e o alto impacto da tecnologia sobre o mercado de trabalho, além de estabelecer novas lógicas de relações humanas, fazem surgir novos e imprevisíveis players nos sofisticados jogos do poder mundial. Embora já se antevejam táticas de influência e manipulação por instrumentos de inteligência artificial, ainda não há um claro arcabouço regulatório-institucional de como o jogo do futuro será jogado. Imagina-se, mas não se sabe. Por assim ser, entre as pulsantes dúvidas da existência, a vida muda em velocidade exponencial.
Neste vácuo transformacional, muitas estruturas do pós-guerra começam a perder consistência, retirando as forças globais da estabelecida situação de equilíbrio. Com o reinício dos movimentos estratégicos de aproximação e distanciamento para fins de formação de alianças vencedoras, é possível dizer que estamos abandonando um estático padrão de hegemonia para uma dinâmica situação de dominância americana. Gradativamente, os rígidos sistemas hierárquicos de poder estão sendo substituídos por fórmulas fluidas e tópicas de proeminência institucional, conduzidas pela silenciosa habilidade de atrair apoios com o mínimo atrito possível.
Indubitavelmente, em termos militares, a liderança dos Estados Unidos permanece imbatível; todavia, os riscos de instabilidade financeira, terrorismo e ataques cibernéticos expõem o flanco do grande irmão do Norte a ameaças palpáveis, inaugurando uma época de recálculo das complexas equações conjunturais. Em recente artigo na Foreign Affairs o prestigiado professor de Harvard Joseph Nye realçou a progressiva ascensão dos chamados nonstate actors, destacando que os “governos continuarão a possuir poder e recursos, mas o tablado do jogo estará mais numeroso, diminuindo a habilidade de direção das ações”.
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Um país sem visão estratégica
A atual indefinição internacional abre o leque das possibilidades, impondo-nos o dever de definição de uma firme estratégia de inserção do Brasil na nova ordem mundial. Infelizmente, até o presente momento, estamos fora do circuito principal. Seguimos com nossa posição de destaque no plano das commodities agrícolas, vendendo produtos primários a preço de banana para comprar bens tecnológicos ao custo de caviar. Ou seja, precisamos, urgentemente, agregar valor às nossas cadeias de produção, pois a agricultura, por si só, não pagará nossas contas.
O problema é que nossa base institucional não ajuda; o alto nível de corrupção, a ausência de regras claras, o absurdo grau de clausura da economia e a falta de credibilidade das lideranças políticas afastam o investidor estrangeiro qualificado, impossibilitando a captação facilitada de recursos externos de longo prazo para o consequente financiamento de obras de infraestrutura. Nesse contexto desencontrado, o tempo passa, o mundo torna-se extremamente mais desafiador, e o Brasil segue sendo um exemplo continental do amadorismo político.
No outro lado do tabuleiro, a explosão econômica do continente asiático surge como grande força de atração global, ensejando calculados movimentos dos Estados Unidos com vistas a neutralizar o ímpeto expansionista da China, bem como controlar as crescentes ambições da Índia. Aliás, o início da aproximação com a Coreia do Norte, além de diminuir as tensões bélicas globais, possibilita o acesso a uma posição estratégica junto à fronteira chinesa, colocando um gato siamês, de DNA americano, no telhado oriental. Enquanto isso, a América Latina, enredada em governos inconfiáveis, vai sendo colocada à margem das rotas de fluxo de capital internacional, reduzindo assustadoramente o peso e a importância de sua posição geopolítica.
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Em artigo seminal de 1957 (Strategy and Organization), a inteligência superior de Henry Kissinger bem aponta que a “doutrina estratégica permite que o poder aja propositadamente em face dos desafios”, sendo que, na sua falta, esse mesmo poder “será constantemente surpreendido pelos acontecimentos”. A acidentada história econômica brasileira reflete a total ausência de uma firme visão estratégica de desenvolvimento nacional. Aqui, a cegueira ideológica festiva prejudica a isenta compreensão da realidade dos fatos. E não bastam apenas olhos para ver, pois a sabedoria da razão exige o sério exercício do pensamento crítico.
De tudo, temos a evidência solar de que só a criação de riqueza é capaz de superar a pobreza social. Logo, investir em estatismo é a doutrina estratégica do fracasso que implode as contas públicas e condena milhares de cidadãos inocentes à miséria permanente. É hora, portanto, de abrirmos nossa economia aos fluxos de capitais externos, barateando o custo de captação do dinheiro de forma a impulsionar a geração de negócios, potencializando sonhos e oportunidades de futuro a todos os brasileiros. Chega de investir em atraso. Ou será que 13 anos não foram suficientes?