Num de seus momentos mais memoráveis, o genial Bastiat criou uma paródia para demonstrar como leis e regulamentos voltados à proteção dos negócios estabelecidos, principalmente aqueles baseados em princípios protecionistas e na manutenção dos empregos, podem ser absurdos do ponto de vista econômico.
Para ridicularizar os argumentos dos protecionistas, Bastiat elaborou uma suposta petição dos fabricantes de velas e produtos similares ao parlamento francês – do qual fazia parte -, cuja síntese é a seguinte (para quem não conhece, sugiro enfaticamente a leitura integral):
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Aos membros da Câmara dos Deputados:
Estamos sofrendo a intolerável concorrência de um rival estrangeiro que, ao que parece, se beneficia de condições muito superiores às nossas para a produção de luz, com a qual ele inunda completamente o nosso mercado nacional a um preço fabulosamente baixo. No momento em que ele surge, as nossas vendas cessam, todos os consumidores recorrem a ele, e um ramo da indústria francesa, cujas ramificações são inumeráveis, é subitamente atingido pela mais completa estagnação. Este rival, que vem a ser ninguém menos que o sol, faz-nos uma concorrência tão impiedosa, que suspeitamos ser incitado pela pérfida Inglaterra (…), visto que tem por aquela esnobe ilha uma condescendência que se dispensa de ter para conosco.
Pedimos-vos encarecidamente, pois, a gentileza de criardes uma lei que ordene o fechamento de todas as janelas, clarabóias, frestas, gelosias, portadas, cortinas, persianas, postigos e olhos-de-boi; numa palavra, de todas as aberturas, buracos, fendas e fissuras pelas quais a luz do sol tem o costume de penetrar nas casas, para prejuízo das meritórias indústrias de que nos orgulhamos de ter dotado o país – um país que, por gratidão, não poderia abandonar-nos hoje a uma luta tão desigual.
E Bastiat continua a sua sátira, enumerando todos os supostos benefícios em cadeia que tal medida traria para a economia do país, gerando muitos empregos e prosperidade à nação.
Lembrei-me daquele libelo de Bastiat ao ler uma notícia inusitada, na verdade uma proposta de lei encaminhada à Câmara por dois vereadores da cidade de São Francisco, nos EUA, que visa a proibir os luxuosos almoços “gratuitos”, que se tornaram lenda no Vale do Silício – um benefício valioso na lista de benefícios que as empresas de tecnologia usam para atrair trabalhadores qualificados.
Obviamente, a proposta dos vereadores conta com o enfático apoio das associações de donos de restaurantes e lanchonetes locais. “Você não pode competir com o gratuito. A comida grátis é uma comodidade maravilhosa, mas não faz nada para melhorar a comunidade em torno dela”, diz Gwyneth Borden, diretora executiva da Golden Gate Restaurant Association.
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Na proposta dos vereadores de San Francisco, Ahsha Safai e Aaron Peskin, consta a proibição de instalação de lanchonetes internas em novos prédios de escritórios e campus de tecnologia. Eles insistem que a cidade tem o direito legal de fazer isso através de uma emenda à lei de zoneamento.
Num rasgo de imaginação para justificar a sua iniciativa, Safai pintou a medida como uma benção para o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. “Isso também é uma mudança cultural. Não queremos que os funcionários andem de bicicleta ou de carro até o escritório, permaneçam lá o dia todo e voltem para casa. Trata-se de tirar as pessoas do escritório”, disse ele.
Embora incomum, a proposta já tem um precedente. Na vizinha Mountain View, legisladores locais proibiram o Facebook de subsidiar totalmente as refeições no local para 2.000 trabalhadores, nos novos escritórios da empresa de tecnologia.
Como questiona Mark Perry, com total propriedade, qual será o próximo passo? Proibir as pessoas de trazerem suas quentinhas de casa?
Fico imaginando se a moda pega por aqui, onde empresas de construção civil e grandes fábricas estão repletas de cantinas, lanchonetes e restaurantes fornecendo alimentação “grátis” – por imposição legal – aos seus funcionários. Aliás, pensando bem, podem estar certos de que, em breve, leis semelhantes serão propostas em Pindorama. Afinal, aqui copiamos tudo de ruim que vem dos EUA, e quase nada do que é bom…
Fonte: “Instituto Liberal”, 01/08/2018