De todos os candidatos a vice escolhidos até ontem nas pelo menos treze candidaturas confirmadas à Presidência, um é mais importante: Fernando Haddad, na chapa petista encabeçada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O motivo é óbvio: Lula não poderá ser candidato, em virtude da Lei da Ficha Limpa, que veta a cadidatura de condenados em segunda instância como ele. A escolha de Haddad, com o aval dele da cadeia em Curitiba, é o primeiro sinal oficial de uma alternativa a seu nome. A decisão encerra a maior dúvida que ainda cercava o cenário eleitoral.
A chapa petista deverá, depois que o registro do nome de Lula for impugnado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ser encabeçada por Haddad, com a candidatura a vice ocupada pela comunista Manuela D’Ávila, que desistiu de ser a postulante do PCdoB ao Planalto.
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Em todos os cenários em que seu nome é apresentado ao eleitor, Lula lidera as pesquisas de intenção de voto. A Operação Lava Jato alimentou o discurso de vitimização e resgatou sua popularidade do limbo. O poder de transferência de votos a Haddad será testado na urna em 7 de outubro. Não é absurdo supor que seja alto.
Com manobras nas alianças em Minas Gerais e Pernambuco, comandadas por Lula da cadeia, o PT isolou o candidato do PDT, Ciro Gomes. O arco de alianças petistas ainda inclui informalmente o apoio de caciques poderosos como Renan Calheiros ou Jáder Barbalho.
Natural que, a partir do momento em que Haddad for ungido representante do lulismo, o voto de esquerda se aglutine em torno dele. O efeito da indicação do substituto de Lula promete ser devastador não apenas para Ciro, mas também para Marina Silva, segunda colocada nas pesquisas sem Lula, atrás apenas do deputado Jair Bolsonaro.
No cenário atual, Haddad, ainda que seu desempenho se revele insignificante nos cenários em que aparece como substituto de Lula, é o candidato com mais chance de crescer a ponto de chegar ao segundo turno. A outra vaga deverá ser disputada entre o deputado Jair Bolsonaro e, provavelmente, o ex-governador paulista Geraldo Alckmin.
Bolsonaro larga muito na frente. Seu eleitor se revela fiel. Ele mantém intocada a liderança nas pesquisas, num patamar em torno de 20%. Para superá-lo, Alckmin conta com o maior tempo de propaganda no horário eleitoral gratuito e um extenso arco de alianças regionais, que levará seu nome aos rincões mais afastados do país.
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O desafio de Bolsonaro é manter a liderança diante da investida tucana. Com a atividade intensa de seus coreligionários nas redes sociais, ele acredita ter força para superar as deficiências em tempo de TV e capilaridade regional. É uma estratégia coerente a quem se apresenta como candidato “antissistema”, contra o “toma-lá-dá-cá” e os partidos atingidos pelos escândalos de corrupção.
Mas não se trata de desafio trivial. Até agora, Bolsonaro obtém excelente penetração nas parcelas de maior renda e instrução do eleitorado. Tem dificuldade, porém, para crescer entre os mais pobres, com menor nível educacional. Esse é, justamente, o segmento do eleitorado que Lula atraiu para o PT em 2002 – e que não abandonou o partido desde então.
Bolsonaro sofrerá ainda o ataque do tucano, interessado em subtrair-lhe o eleitor antipetista, seduzido pelo discurso de combate à corrupção, garantia da ordem e moralidade. A investida de Alckmin já começou nas alianças partidárias regionais e na convenção, com a escolha da senadora gaúcha Ana Amélia (PP), ícone dos movimentos conservadores, para vice.
Como Bolsonaro fará para, ao mesmo tempo, manter o voto antipetista dos mais instruídos e seduzir os menos instruídos, simpáticos a Lula – e distantes da confusão ideológica das redes sociais? Eis o principal paradoxo que sua campanha deverá contornar para chegar à vitória.
Se conseguir, é provável que tenhamos um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro. Se vencer, Bolsonaro estará diante de outro dilema. Para governar e aprovar as leis e reformas prometidas, precisará de apoio no Congresso, daqueles mesmos políticos tradicionais que menosprezou ao longo da campanha.
Não haverá escapatória: ou bem o país estará diante de novo estelionato eleitoral – em que o candidato “antissistema” terá de montar uma aliança cedendo espaço no governo, aderindo às práticas políticas que prometeu combater na campanha –, ou então diante de uma ruptura autoritária, para conter os protestos inevitáveis no campo petista.
Em caso de vitória de Haddad, o cenário poderá ser ainda mais sombrio. No poder, o PT manobrará para libertar Lula, sufocando os resquícios da Lava Jato. Também promete dar uma guinada nas reformas, provocando um retrocesso sem paralelo na economia. A oposição antilulista estará nas redes sociais e nas ruas. Diante da polarização, o risco é uma ruptura autoritária ao estilo venezuelano.
Fonte: “G1”, 06/08/2018