As medidas de correção previstas na Emenda Constitucional 95 para o caso de descumprimento do teto de gastos serão insuficientes para reconduzir as despesas do governo de volta ao limite. A Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal traçou projeções da despesa do governo em caso de estouro do teto e verificou que, mesmo com o acionamento dos “gatilhos” para contenção de despesas, o País chegará em 2026 com gastos R$ 117,5 bilhões acima do permitido pela regra.
Isso significa que, uma vez descumprido o teto (que limita o crescimento das despesas à inflação), não haverá convergência das despesas de volta ao limite, e o governo ficará permanentemente sujeito às sanções previstas.
O cenário é preocupante porque o cenário base – que tem maior probabilidade de ocorrer de fato – já contempla a aprovação de ajustes nas regras da Previdência Social. Como a economia trazida pela reforma nos primeiros anos é menor, haveria mesmo assim risco de descumprimento do teto e, consequentemente, ineficiência na aplicação dos gatilhos.
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A maior parte dos ajustes previstos nos gatilhos se concentrará nas despesas com pessoal, que não poderá ter qualquer tipo de reajuste, mesmo que para repor a inflação. Isso porque a IFI considera que a partir de 2020 o salário mínimo será corrigido apenas pela inflação, o que torna praticamente ineficaz o outro tipo de ajuste previsto, que é a vedação ao crescimento real de despesas obrigatórias.
“A expansão real dos gastos previdenciários e assistenciais, portanto, deve-se única e exclusivamente à taxa de crescimento vegetativo do número de beneficiários, que não é objeto de vedação pelo novo regime fiscal. Com isso, no cenário de rompimento do teto de gastos, o único ganho expressivo dos gatilhos é decorrente da vedação para aumento nominal do gasto com pessoal e encargos”, diz o relatório.
A não ser que haja nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para mudar o teto, há permissão para mexer no mecanismo apenas em 2026, em seu décimo ano de vigência.
O diretor-executivo da IFI, Felipe Salto, afirma que as projeções são feitas com base na regra em vigor e não é possível adiantar se haverá ou não alterações no teto antes do autorizado pela própria norma. O tema tem sido alvo de debate entre os candidatos à Presidência da República e, como mostrou o Estadão/Broadcast na última sexta-feira, 10, seis dos nove coordenadores econômicos dos candidatos melhor posicionados nas pesquisas falam em promover alterações no mecanismo.
O que fica evidente, segundo Salto, é que o teto sozinho não resolve a situação fiscal do País e que a solução depende de uma ampla revisão das despesas do governo. “Continuar com políticas de reajuste descoladas dessa restrição fiscal é ir contra a necessidade que a gente tem de reequilibrar as contas”, diz o diretor-executivo da IFI.
O economista ressalta ainda que a insuficiência em relação ao teto é crescente. Em 2026, equivale a 1% do PIB, mas o buraco chega a 1,8% do PIB em 2030.
A instituição não fez simulações individuais para cada Poder, mas a avaliação é de que, nos órgãos onde a folha de pagamento tem um peso maior nas despesas totais, os gatilhos tendem a ser mais eficientes. No ano passado, a própria IFI divulgou estudo em que constatou que Judiciário, Legislativo, Ministério Público e Defensoria Pública da União comprometem parte maior do seu Orçamento com gastos de pessoal.
“É natural que, nos poderes que têm peso maior de folha de pagamento em seus gastos, o gatilho seja mais efetivo”, afirma o diretor da IFI Gabriel Leal de Barros.
Mesmo num cenário otimista, o Brasil chegaria a 2026 com uma insuficiência de R$ 83,2 bilhões em relação ao teto de gastos. No cenário pessimista, esse buraco seria de R$ 161,2 bilhões, segundo a IFI.
Próximo presidente deve conseguir cumprir teto até 2020
Mesmo com o avanço acelerado dos gastos obrigatórios, como benefícios previdenciários e salários do funcionalismo, o novo presidente da República terá condições de cumprir o teto de gastos até 2020, prevê a IFI. O órgão entende que esse será um “tempo importante” para que as reformas estruturais sejam aprovadas e implementadas.
“Não obstante o risco de descumprimento em 2020 seja elevado, os dados mostram que há uma janela superior a doze e inferior a vinte e quatro meses para condução de mudanças com efeito relevante sobre o gasto obrigatório primário”, diz o Relatório de Acompanhamento Fiscal (RAF) de agosto, divulgado nesta segunda-feira, 13.
O teto de gastos é a regra que limita o crescimento das despesas da União à inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. Para que ele seja respeitado até 2020, a IFI pressupõe que não haverá renovação do subsídio ao preço do diesel e que o salário mínimo seja corrigido apenas pela inflação quando a política atual (que vigora até 2019) se encerrar.
A janela de dois anos existe porque a chamada “margem fiscal”, o quanto sobrará do limite imposto pelo teto de gastos para despesas que não são obrigatórias, ainda será suficiente para bancar despesas básicas do governo e manter o funcionamento da máquina pública. Essa margem é estimada pela IFI em R$ 105,4 bilhões no ano que vem e em R$ 90,3 bilhões em 2020.
“O grau de liberdade estimado para 2020 é próximo do limite mínimo de funcionamento dos ministérios (de R$ 75 bilhões a R$ 80 bilhões), cujo risco implícito de descumprimento é crescente”, observa o relatório.
Em avaliações anteriores, a IFI via grande risco de descumprimento do teto já no ano que vem, mas essa ameaça foi atenuada com a redução de gastos com subsídios e com a reoneração da folha de pagamento para alguns setores. Com isso, o avanço das obrigações em 2019 deve ser de até R$ 66 bilhões, abaixo da margem para ampliação da despesa sujeita ao teto, calculada em R$ 74,2 bilhões.
Déficit só será revertido em 2022
A IFI acredita ainda que o País só terá reversão da situação atual de déficit em 2022, voltando a arrecadar mais do que gasta (superávit) em 2023. Nesse ano, a economia atingida ainda seria reduzida, o equivalente a 0,4% do PIB.
A entidade alerta ainda que, apesar da reversão matemática do déficit nesse período, haveria antes do fim de 2021 restrições para o funcionamento da máquina pública (shutdown) ou o teto de gastos seria descumprido, uma vez que a margem fiscal seria de apenas R$ 73,3 bilhões. Esse valor é menos do que o mínimo necessário para manter as atividades do governo.
IFI revisa projeções para baixo
A IFI ainda atualizou suas projeções para o crescimento do PIB neste ano. Antes o órgão previa expansão de 2,7% da economia brasileira em 2018, mas agora as previsões apontam avanço de 1,6%. O movimento está alinhado às revisões feitas por outras instituições e bancos.
Já as projeções para a dívida bruta do País melhoraram e o pico deve ser atingido em 2023, aos 84,1% do PIB. Antes, a projeção era de que o ponto máximo seria aos 86,6% do PIB. A entidade ressalta, porém, que o cenário fiscal “continua desafiador”.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”