Agora que os candidatos estão inscritos, e começam a aparecer os primeiros programas oficiais, convém reexaminar a questão essencial do país: o setor público está quebrado. Se fosse uma empresa, já estaria em processo de falência, tendo de renegociar suas dívidas com os credores. Isso é o que acontece com uma empresa que gasta mais do que fatura e, assim, precisa tomar emprestado para fechar as contas do ano e ainda tem que pagar juros e prestações de dívida anterior.
Uma hipótese é o calote geral — mas nesse caso a empresa acaba, os credores ficando com os pedaços que eventualmente sobram. Acontece que o governo não acaba nunca — e isto não é uma ameaça, mas um fato da vida. Como fazer, portanto, para sair do buraco?
A primeira coisa é entender bem as contas. Ok, os candidatos já deveriam conhecê-las bem, mas parece que alguns ou não sabem ou fingem não saber. O eleitor terá que prestar atenção no que dizem os que pedem seus votos. Assim, vamos tentar pegar o essencial do problema.
Há pontos interessantes. Por exemplo: no primeiro semestre deste ano, o governo federal conseguiu fazer um superávit de R$ 58 bilhões. Não é milagre, mas apenas um jeito de olhar as contas. Trata-se de um resultado parcial, que considera as receitas e despesas do Tesouro, excluídas as receitas e despesas da Previdência Social. Quando se inclui a conta do INSS, aquele superávit se transforma em um déficit de R$ 32,8 bilhões. Ou seja, o famoso rombo da Previdência, R$ 90,8 bilhões no semestre, engole todo o saldo do Tesouro e mais um tanto.
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Tesouro é, digamos, o governo. Recolhe os impostos, taxas e contribuições — IR, IPI, PIS, Cofins, CSLL, aquelas siglas todas — e vai gastando: salários e encargos do funcionalismo, remédios para os hospitais, gasolina para as polícias, equipamentos para as Forças Armadas, computadores para o Judiciário, cafezinho dos palácios e até obras.
A Previdência (o INSS) tem suas receitas próprias, as contribuições de empregados e patrões. E, na outra boca do caixa, o pagamento de pensões, aposentadorias e benefícios para 33 milhões de pessoas, que recebem rigorosamente em dia. Nessa subtração, deu aquele déficit de R$ 90,8 bilhões. Isso significa que o governo/Tesouro está usando dinheiro arrecado com os outros impostos para financiar o INSS. Em termos bem concretos: está tirando recursos em tese destinados a educação, saúde, segurança, programas sociais e funcionalismo para pagar pensões e aposentadorias.
Resumo da ópera: o setor público está quebrado, e a maior causa disso está no déficit do INSS.
Tem mais, entretanto. O déficit previdenciário total aumenta quando se acrescentam as contas do regime de aposentadoria dos servidores federais. Na base, é o mesmo sistema de repartição: os funcionários contribuem, o governo recolhe e paga ao um milhão de aposentados e pensionistas. A contribuição é insuficiente, de modo que, de novo, o governo recolhe recursos de outros impostos para financiar este outro déficit.
Em termos anuais, o déficit do INSS fica em torno dos R$ 195 bilhões. O dos servidores, militares e civis, R$ 90 bilhões. Todos os cidadãos brasileiros que pagam impostos estão financiando os aposentados e pensionistas. Seria um bom acordo de gerações se as contas estivessem equilibradas. Mas como as despesas previdenciárias crescem mais depressa que as contribuições de todos os trabalhadores, em algum momento todos os impostos recolhidos pelo governo serão utilizados para pagar aos aposentados.
Este é o tamanho do problema. É urgente. Dizem os candidatos: alguma reforma da Previdência é necessária, mas não pode ser injusta.
Estão tentando enganar. Só tem uma maneira de conter o crescimento do déficit previdenciário: as pessoas têm de trabalhar mais tempo, aposentar-se mais tarde e, sim, receber menos.
E isso não é propriamente justo. É apenas necessário. De novo, o candidato que não pedir um claro mandato para fazer isso estará enganando nisso e em todo o resto.
Fonte: “O Globo”, 16/08/2018