Mesmo que consiga fazer a reforma da Previdência, o próximo presidente terá dificuldades para cumprir a regra do teto de gastos, pela qual as despesas públicas só podem crescer com base na inflação do ano anterior. A decisão do presidente Michel Temer, na última terça-feira, de autorizar um reajuste nas despesas do Ministério da Educação em 2019 tornou a situação ainda mais complicada, já que o orçamento da pasta ficará mais protegido do que o de outras áreas contra cortes que a equipe econômica tenha de fazer para cumprir o teto.
Apresentada pelo governo como a arma mais forte para garantir a aprovação das mudanças na Previdência, a regra do teto de gastos se tornou um grande desafio. O governo não conseguiu mudar as aposentadorias e agora é obrigado a gerir um Orçamento cada vez mais comprimido por despesas obrigatórias (não apenas com benefícios previdenciários, mas com a folha de pagamentos) e a sacrificar áreas que já estão próximas de uma paralisação por falta de recursos.
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NEM PARA TAPAR BURACO
Segundo a equipe econômica, ao não vetar um artigo da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2019 sobre educação, o presidente apertou o Orçamento em mais R$ 2,5 bilhões e reduziu as despesas discricionárias (não obrigatórias) de R$ 91 bilhões para R$ 88,5 bilhões, valor próximo de uma paralisação. Trabalho feito pelo economista sênior da LCA Consultores Bráulio Borges com projeções da própria equipe econômica mostra que o teto não teria condições de ser mantido mesmo que o governo conseguisse fazer várias reformas estruturais.
Os cálculos do economista mostram que, pela regra do teto, as despesas primárias deveriam passar de 19,5% do PIB em 2016 (primeiro ano de vigência da norma) para 15% do PIB em 2026, ou seja, uma queda de 4,5 pontos percentuais. O problema é que, mesmo que o governo faça uma reforma da Previdência e ainda adote medidas de ajuste fiscal duras, como cortar radicalmente desonerações e subsídios, segurar reajustes reais no salário mínimo, eliminar o abono salarial e congelar o gasto per capita com o funcionalismo, ele só conseguirá obter uma parte da economia necessária para chegar ao seu objetivo.
Esse resíduo pode ser ainda maior considerando que o investimento público líquido está negativo, ou seja, ele não é suficiente nem mesmo para cobrir a depreciação de obras, como tapar buracos nas estradas e consertar telhados de prédios públicos.
– O governo terá que aumentar um pouco o investimento público para que ele cubra ao menos a depreciação – disse Borges, acrescentando: – O nível da despesa discricionária é muito baixo. Em 2018, já estamos muito próximos de uma paralisação. Não dá para fazer, nas despesas não obrigatórias, o ajuste que fica faltando depois de fazer as reformas, que também são fundamentais. O gasto discricionário inclui despesas importantes, como bolsas de estudos, controle de fronteiras e do tráfego aéreo, emissão de passaportes e farmácia popular.
Para piorar o cenário, o próximo presidente também terá pela frente outros desafios. Será preciso discutir uma nova regra para o salário mínimo (a atual acaba em 2019) e negociar com o funcionalismo mais uma rodada de reajustes salariais. O Supremo Tribunal Federal (STF) já deu a largada ao propor um reajuste de 16,38% para seus ministros. Esse aumento tende a criar um efeito cascata sobre o restante do funcionalismo, que também vai pedir reposição salarial. A pressão exercida pelo teto, no entanto, vai fazer com que o governo Michel Temer encaminhe ao Congresso, ainda este mês, uma proposta de adiamento do reajuste do funcionalismo de 2019 para 2020.
JUÍZES: 41,5% DE AUMENTO
Dados da equipe econômica mostram que os servidores do Judiciário, onde está a elite do funcionalismo, tiveram reajustes acima da inflação desde 2016. Naquele ano, o aumento foi de 15%, enquanto a alta dos preços foi de 6,29%. Em 2017, o percentual foi de 8,8%, contra inflação de 2,94%. No período acumulado entre 2016 e 2019, o reajuste terá sido de 41,5%. Já a inflação será de 18,5%, segundo projeção.
Para especialistas, será preciso também mexer na regra do salário mínimo. A cada 1% de aumento na remuneração básica dos trabalhadores, o impacto é de R$ 3,8 bilhões nas contas públicas. A atual forma de correção do mínimo — pela qual o salário deve ser reajustado pela inflação do ano anterior mais a variação do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes — vale até 2019. Essa é uma forma de assegurar que haja ganho real para os trabalhadores. E, como o governo tem dado aumentos reais para o salário mínimo desde a década de 90, será muito difícil que a nova regra não mantenha o mesmo princípio.
Na avaliação do economista Raul Velloso, especialista em finanças públicas, é difícil cumprir um teto de gastos, qualquer que seja, porque as despesas que o poder público é obrigado a ter, normalmente, crescem acima do percentual da inflação:
— Com esses gastos obrigatórios subindo mais do que o previsto, o governo fica praticamente sem alternativas para reorganizar as finanças. A situação brasileira pode melhorar, no futuro recente, caso seja feita a reorganização da previdência pública e se for reencontrado o caminho para a expansão da infraestrutura.
Fonte: “O Globo”