Não foi a primeira vez, e provavelmente não será a última, que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal arquivou uma denúncia contra detentor de foro privilegiado por falta de prova. A tese de que denúncia baseada apenas em delação premiada, mesmo com provas fornecidas pelo delator, deve ser arquivada já faz parte da jurisprudência da Segunda Turma.
Levantamento recente do Globo mostra que dez casos foram encerrados por arquivamento do inquérito, rejeição da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) ou absolvição no julgamento final. Em seis processos, os próprios investigadores apontaram falhas nas delações ou admitiram não ter conseguido levantar as provas necessárias, solicitando o arquivamento.
Em outros três, foi o STF que julgou como insuficientes a denúncia apresentada pelo Ministério Público. Vários ministros do Supremo, sendo o mais destacado Gilmar Mendes, já deixaram claras críticas às investigações do Ministério Público e da Polícia Federal, que levariam ao arquivamento por falta de provas para evitar a abertura de um inquérito que mancha a imagem do investigado.
Nesses casos, os ministros do STF, especialmente os da Segunda Turma, cuja maioria é composta pelos ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, são acusados de querer acabar com a Lava Jato quando, na verdade, não têm base para aceitar a denúncia, como teria sido o caso do senador Ciro Nogueira.
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A polêmica do imposto
Se não é aceitável legalmente que se condene alguém baseado apenas em uma delação premiada, a Segunda Turma entende rejeitar denúncias que se baseiam apenas nas palavras e provas entregues por delatores.Ontem, o ministro Gilmar Mendes afirmou que o STF age “com o rigor da lei” quando decide arquivar uma denúncia por falta de provas, mas entre a exigência de uma contrapartida específica para a corrupção, e um entendimento amplo que possa levar à criminalização da política, há o exemplo dos Estados Unidos.
Lá, quando não há uma contrapartida evidente, eles aplicam o chamado teste do but if, (mas, se), isto é, o corruptor não daria um presente, por generosidade, ou por deferência a um ex-presidente, que caracterizaria a vantagem indevida.
Muitas vezes essa contrapartida não está clara, o dinheiro não teria que sair no mesmo momento dos cofres públicos para pagar a propina diretamente, como defendem o Juiz Moro e os procuradores da Lava Jato. Essa questão leva a outra polêmica, também de decisão da Segunda Turma, de desmembrar as delações dos executivos da Odebrecht por não estarem diretamente ligadas à Petrobras, enviando trechos para outros inquéritos que não estão submetidos ao Juiz Sérgio Moro em Curitiba, como aconteceu terça-feira novamente, inclusive trechos relacionados ao ex-presidente Lula.
Os investigadores acreditam que a decisão tumultua, mas em tese não terá efeito prático. Há quem interprete esse “rigor da lei” defendido por Gilmar Mendes como uma tentativa de colocar os casos de políticos com foro privilegiado para a Justiça Eleitoral, transformando o que é corrupção em caixa dois.
Enviar à Justiça eleitoral casos complexos geraria impunidade, pois ela não tem instrumentos para investigação em profundidade. Ao mesmo tempo, a rejeição por falta de provas não gera coisa julgada, quer dizer, o caso poderá ser retomado se surgirem novas provas, com a denúncia podendo ser reapresentada.
Se o STF rejeitar a denúncia por falta de provas, a investigação pode ser em tese retomada. Uma possibilidade é a prova surgir em outro lugar, por acaso. Na prática é um pouco difícil, salvo se a investigação prosseguir.
A impressão de que essa decisão da Segunda Turma acaba com a delação premiada é indevidamente generalizante, pois se trata de caso concreto, não facilmente extensível a outras ações penais. É certo que é preciso sempre de prova de corroboração, para condenação, muita, para recebimento da denúncia, alguma. A Segunda Turma decidiu que, no caso específico, as denúncias não eram suficientemente corroboradas por provas.
Fonte: “O Globo”, 16/08/2018