Quando Lula tirou Dilma da manga e lançou seu nome ao Planalto, a expectativa era de que ao fim do seu primeiro mandato, que deveria ser o único, ela cedesse espaço para a volta do chefe. Deu errado. Dilma preferiu buscar luz própria e rifou o ex-presidente, lançando-se em um segundo mandato. O resultado é conhecido. Agora, impedido de concorrer, Lula escolheu um novo avatar para representá-lo nas urnas. Responde pelo nome de Fernando Haddad.
Ainda em 2010, a ideia do líder petista era escolher um nome que não fizesse sombra aos seus feitos, abrisse espaço futuro para sua volta e mantivesse sua linha de governo. Pensou em muitos nomes, mas todos alcançariam notoriedade e poderiam trair seu criador. Dilma foi escolhida neste contexto. Sem a habilidade política de Jaques Wagner, articulação de Dirceu ou a prudência de Palocci, foi alçada candidata exatamente por não guardar estas qualidades e, portanto, não ter chances de se tornar um líder maior que Lula.
A escolha de Fernando Haddad como candidato possui íntima relação com esta experiência. O ex-prefeito de São Paulo representa o começo de uma renovação geracional dentro do petismo. Com ele deixa-se a figura de sindicalista de porta de fábrica para trás, trocando-a pela estampa de um acadêmico, professor da USP, mas alguém ainda da mais estreita confiança de Lula.
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Haddad é o nome que pode levar o petismo de volta ao Planalto. Sua presença no segundo turno é praticamente certa. Quando apoiado por Lula, nas sondagens já aparece com 15%, com a campanha praticamente ainda na posição de largada. Não está presente dos debates e, em breve, terá a tração de R$ 212 milhões do Fundo Eleitoral petista, usado sempre de forma inteligente por uma equipe de comunicação eficiente. Se somarmos isso ao apoio do Nordeste e o tempo de televisão, a conclusão de que o PT colocará seu candidato no segundo turno é natural.
Se chegar lá contra Bolsonaro, a tendência é receber apoio de todo o sistema político que hoje está alinhado com Geraldo Alckmin, além dos próprios tucanos. O mundo político conhece seu lugar em um governo petista, mas tem enorme receio da chegada ao Planalto de um candidato que possui como plataforma quebrar as estruturas tradicionais de poder como Bolsonaro. Se este embate de segundo turno se concretizar, as chances serão iguais, com o sistema buscando sobreviver pendurado no partido que afastou do poder dois anos atrás.
O novo poste de Lula tem luz própria, mas não faria sombra ao chefe. A montagem da chapa com Manuela procura trazer juventude e uma estampada renovada a um projeto político de poder já conhecido e que sobrevive apenas mediante acordo com a velha política. O truque pode funcionar. A capacidade de reencarnação de Lula não pode ser subestimada. Mas desta vez não será com Dilma. Haddad é mais habilidoso e pode servir como instrumento de regeneração do petismo em um momento de crise no partido. Lula aposta nisso para deixar Curitiba e voltar a dar as cartas desde Brasília.
Fonte: “O Tempo”, 20/08/2018