Desde épocas remotas a economia brasileira vem se valendo, em determinados períodos, de um pequeno número de fontes propulsoras.
No início, as exportações de produtos agrícolas, tais como cana de açúcar e café, promoveram a formação de riqueza que irrigou vários segmentos da sociedade. Ao esgotar-se esse modelo, o papel de alavanca do PIB foi assumido pela industrialização via substituição de importações, sobretudo nos períodos 1957-1962 e 1968-1976, quando verificaram-se as maiores taxas de crescimento do país: médias anuais de 8,8% e 10,1%, respectivamente. Outros episódios de prosperidade ocorreram em 1984-1986, com o Plano Cruzado, e 1993-1995, com o Plano Real. O último alento de vigor, 2004-2008, resultou de um contexto externo favorável, aliado à estabilidade monetária reinante desde a adoção do Real.
Portanto, os ciclos de eloquente ampliação do PIB partiram de três origens: setor exportador, substituição de importações industriais, ou planos de combate à inflação. Tendo em vista que substituir importações deixou de ser caminho frutífero, que é improvável a médio prazo a ocorrência de euforia exportadora e que planos anti-inflacionários radicais tornaram-se desnecessários, precisamos descobrir nova fonte de dinamismo.
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Superar as dificuldades fiscais, reformar o Estado, manter equilíbrio monetário, combater a corrupção e desfrutar de tranquilidade política são fatores indispensáveis ao incentivo a investimentos, mas não garantem a conquista de expressivo desenvolvimento econômico e social. Em realidade, a inauguração de uma era de positiva remodelagem da fisionomia nacional exigiria a conquista de taxas de incremento do PIB em torno de 6%.
No momento atual, a única nova fonte de dinamismo suficiente para alcançar meta tão ambiciosa localiza-se em algo inédito em nossa história: a adoção de eficaz processo de combate à extrema desigualdade social de renda. Tal processo resultaria em um salto na demanda por bens e serviços, pelas classes menos privilegiadas, com magnitude suficiente para impulsionar a economia como um todo. Essa afirmação não consiste apenas em uma hipótese, mas sim fundamenta-se na elevada propensão marginal a consumir das classes de menor renda.
Há quem afirme que para diminuir os contrastes sociais é preciso antes haver expansão econômica. Porém, é exatamente o contrário: o crescimento intenso e duradouro do PIB só terá início se a iniquidade começar a ser amenizada. A atividade produtiva do setor privado, a vitalidade social e a competitividade internacional do país florescerão quando for ampliado o poder de compra das camadas de menor renda, majoritárias entre a população.
Mas em que consiste uma eficaz política de enfrentamento à excessiva concentração de renda? Vários são os instrumentos adequados a esse fim, embora nem todos facilmente acessíveis ao Brasil neste momento. O mais tradicional é o instrumento tributário, mediante o incremento da progressividade dos impostos diretos, em especial o incidente sobre a renda. Ainda há espaço para aliviar as classes menos afortunadas e onerar em maior grau as privilegiadas. Por outro lado, cabe reduzir a intensidade regressiva dos impostos indiretos.
Justifica-se também avaliar os critérios adotados na concessão de subsídios e isenções fiscais aos níveis federal, estadual e municipal. Muitas das empresas contempladas não dependem desses favores para concretizar seus investimentos ou operar suas atividades, enquanto faltam recursos públicos para gastos que beneficiariam as classes de menor renda. Em vários municípios constata-se precariedade de recursos para educação, saúde e saneamento, em decorrência do raquítico esquema de arrecadação de impostos, principalmente o predial alusivo a imóveis de alto valor pertencentes ao topo da pirâmide social.
Investimentos destinados a elevar o acesso dos pobres à educação, saúde, treinamento profissional, transporte coletivo, habitação e saneamento constituem poderoso instrumento para ampliar a capacidade de gerar renda desse segmento populacional e, portanto, sua mobilidade social. Evidentemente, tais investimentos dependem da disponibilidade de recursos públicos, o que realça a urgência em superar a presente fragilidade fiscal, inclusive via reforma da previdência.
O manuseio do salário como instrumento redistributivo de renda reveste-se de complexidade, pois costuma ser acusado de provocar inflação e desemprego. No entanto, não há como evitá-lo, inclusive para superar a costumeira defasagem entre os incrementos de produtividade da mão de obra e da remuneração do trabalho. Como a atual taxa de desemprego não favorece esforços para aumentar o valor real dos baixos salários, esse instrumento irá adquirir maior relevância à medida que a economia voltar a crescer.
Programas de transferência de recursos às classes atingidas pela pobreza, tipo Bolsa Família, podem exercer papel complementar na redução da iniquidade, mas nunca como instrumento básico. No entanto, eles somente geram resultados compensadores quando vinculados a requerimentos a serem satisfeitos pelos atendidos, tais como frequência escolar, cuidados com a saúde, treinamento profissional e comprovação de busca de trabalho.
Desafortunadamente, o deplorável quadro político prevalecente inviabiliza intentos de suavizar as disparidades de renda. Assim sendo, não há como evitar a conclusão de que tão cedo o Brasil não desfrutará de um nível de prosperidade empolgante. O máximo que podemos almejar é a convivência com anêmicas taxas de incremento do PIB e débeis avanços na qualidade de vida das classes média e baixa. Enquanto isso, só nos resta a alternativa de aprimorar o regime democrático, de forma a torná-lo apto a efetivar reformas destinadas a alçar o Brasil ao status de nação desenvolvida.
Fonte: “Valor Econômico”, 31/08/2018