No começo do ano, cheguei a pensar que a economia teria um papel secundário no debate eleitoral, que seria dominado por temas como segurança pública, combate à corrupção e questões de saúde e educação. Mas não, a dramática mudança no ambiente externo para os emergentes e a dificuldade da atividade e do emprego se recuperarem acabaram por dar às propostas econômicas dos presidenciáveis um lugar de destaque.
É possível agrupar essas propostas em dois grandes temas. Um lida com como corrigir o grave desequilíbrio fiscal que corrói a confiança dos agentes econômicas, comprime o investimento e o consumo e pode lançar o país em nova crise. Outro, com medidas voltadas para questões estruturais, que se bem tratadas podem destravar o crescimento da capacidade de produção.
Em relação ao fiscal, três temas se destacam: a reforma da previdência; a reforma tributária e, em especial, para onde levar a carga tributária; e o que fazer com o teto de gastos imposto pela Emenda Constitucional 95 (EC 95).
Quanto à previdência, há muita discordância, mas também um quase-consenso sobre igualar as regras para servidores públicos às do INSS, ideia já contemplada na proposta enviada pelo governo Temer ao Congresso. Alguns candidatos também defendem a instituição de um sistema de capitalização, em que as aposentadorias e pensões seriam função apenas das contribuições individuais e do retorno financeiro que elas obtivessem ao longo da vida, como ocorre com os fundos de pensão abertos.
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É uma proposta meritória, mas de difícil implementação. A razão é simples: se os atuais trabalhadores capitalizarem suas contribuições em contas individuais, o dinheiro para pagar as pensões e aposentadorias atuais teria de vir de outro lugar. Mas de onde? O país não tem recursos públicos sobrando para financiar a custosa transição para o novo regime, nem espaço para aumentar sua dívida na magnitude necessária para isso. Por isso, acho que o mais provável é que, em menor ou maior grau, quem quer que seja eleito abrace a reforma da previdência que está no Congresso, possivelmente ainda no último bimestre de 2018.
Os candidatos se dividem entre os que propõem aumentar impostos e os que focam em corte de gastos. Penso que quem quer que ganhe vai tentar elevar a carga tributária, sendo que alguns buscarão grandes aumentos: só não acho que será tão fácil. Também não acredito que uma ampla reforma tributária, com a implantação de um IVA nacional, vá estar na agenda de 2019, ainda que considere esse um bom caminho.
O teto de gastos virou quase uma “Geni” eleitoral: a maioria se propõe a revogá-lo, alterá-lo ou silencia sobre o que vai fazer. Por outro lado, há quem prometa zerar o déficit primário em um ou dois anos, sem aumentar a carga tributária, o que exigiria uma queda ainda mais forte do gasto. As promessas não parecem bater umas com as outras.
Eu penso que a EC 95 foi uma importante âncora de expectativas, que ajudou a lidar com a grande crise herdada pelo atual governo. Alterá-la sem colocar outra âncora no lugar será um enorme risco, ainda que não duvide que corporações e grupos de interesse que se beneficiam do aumento de gasto deem grande apoio para se revogar a EC 95.
Os candidatos se diferenciam mais quanto às políticas estruturais, indo dos que defendem desfazer as reformas do governo Temer – reforma trabalhista, TLP, privatizações, concessões para exploração de petróleo, por exemplo – a quem quer aprofundar tudo isso, inclusive com programas radicais de privatizações, abertura comercial e redução da intervenção do Estado na economia em geral. Também há diferenças relevantes no que tange à política monetária, com alguns candidatos querendo reforçar a autonomia do Banco Central no combate à inflação, enquanto outros caminham no sentido oposto.
Eu penso que essas propostas vão influir no que acontecerá nos próximos quatro anos, pois há pouco espaço para “estelionatos eleitorais”: fazê-lo tirará apoio e legitimidade do eleito. Assim, em outubro o eleitor de fato estará fazendo uma escolha importante sobre para onde vai a economia. Não obstante, também acredito que outros três fatores influenciarão a política econômica do próximo presidente.
Primeiro, sua capacidade de obter apoio político para suas propostas, dentro e fora do governo. Tanto no fiscal quanto nas reformas estruturais, há vários grupos influentes com agendas próprias, que podem ou não coincidir com a do novo governo. Segundo, o desejo do presidente de buscar a reeleição em 2022. Isso fará com que evite políticas que joguem o país em nova crise, dando um mínimo de racionalidade à política econômica. Por fim, há o ambiente externo, que pode dar mais ou menos espaço para políticas irresponsáveis. Hoje esse espaço parece reduzido, mas isso pode mudar.
O candidato eleito terá de aproveitar os seis primeiros meses de governo para avançar com o que considera mais prioritário. Idealmente não deveria focar em desfazer políticas que estão funcionando. Se nessa etapa não ganhar a confiança dos agentes econômicos, a situação pode se complicar.
Fonte: “Valor Econômico”, 14/09/2018