Rever incentivos fiscais está nos planos da maioria dos candidatos ao governo do Rio. Mas o caminho para revogar ou alterar benefícios pode ser mais difícil do que o previsto. O futuro governador poderá mexer livremente em menos de um terço da renúncia tributária prevista para o ano que vem. O restante não depende só do Executivo para ser alterado, explicam especialistas.
Para 2019, o estado deve perder R$ 9,4 bilhões em arrecadação de ICMS, segundo dados da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Desse montante, R$ 2,6 bilhões (28%) são ligados a decretos, mais fáceis de serem revisados. Outros R$ 3,3 bilhões, 35% do total, são incentivos fixados por convênio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne todos os secretários de Fazenda do país. Os 37% restantes (R$ 3,5 bilhões) têm como origem projetos de lei da Assembleia Legislativa (Alerj), que só podem ser alterados por novos projetos de lei — portanto, fora do alcance direto da caneta do próximo governador.
— A revogação de todos os incentivos fiscais do estado não é um ato que pode ser tomado pelo governador em todos os casos, de uma só vez — explica a advogada Cheryl Berno, especialista em Direito Tributário.
Rever regras que surgiram no Confaz tende a ser mais delicado. Elas variam de acordo com o convênio, mas, na prática, o estado precisa de autorização dos outros secretários para revogar um benefício fixado por convênio. A regra básica prevê aprovação de 4/5 dos secretários para cancelar um acordo.
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Benefícios concedidos via Alerj podem ser revistos mais facilmente, mas ainda não se sabe como será a articulação entre Executivo e Legislativo.
— Não dá para prever (como serão as revisões), porque não sabemos a composição (da Alerj) para o próximo governo — avalia o deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), presidente da Comissão de Tributação, Controle da Arrecadação Estadual e de Fiscalização dos Tributos Estaduais da Alerj.
SUSPENSÃO TEMPORÁRIA
O “Globo” ouviu os cinco candidatos mais bem colocados nas últimas pesquisas de intenção de voto (veja abaixo) e todos defendem algum tipo de revisão dos benefícios.
O advogado especializado em Direito Tributário David Nigri afirma que esse corte pode não ser possível:
— Pela legislação tributária, redução de alíquotas ou eliminação de isenções do ICMS podem ser interpretadas como aumento de tributo. Para isso teriam que ser respeitados dois princípios. O primeiro é o da anualidade: a cobrança só poderia ocorrer no ano seguinte ao qual a decisão foi tomada. O outro é o da noventena. A cobrança só poderia começar 90 dias depois da mudança das regras — explica.
O debate sobre benefícios fiscais divide opiniões. O principal argumento a favor é o de que incentivos evitam que o estado perca competitividade.
— Existe uma guerra fiscal. O Rio já reviu parte de sua política. Cortou incentivos indevidos — argumenta o secretário estadual de Fazenda, Luiz Cláudio Fernandes Lourenço Gomes, referindo-se ao Fundo de Equilíbrio Fiscal, financiado com 10% do valor total das renúncias fiscais.
André Luiz Marques, economista do Insper, lembra que falta planejamento para avaliar a efetividade das políticas:
— Não faz sentido conceder benefícios e não ter todos os instrumentos para aferir impactos como a geração de empregos.
A advogada Cheryl Berno observa que houve excesso de incentivos:
— Nos últimos dez anos houve um crescimento vertiginoso. Foi quando o Rio de fato entrou na guerra fiscal. O incentivo não é ruim. O problema é quem vai pagar mais para que outros paguem menos.
O economista Mauro Osório, especialista em economia do Rio, defende mais critério. Hoje, a lista de benefícios inclui desde isenção para produtos da cesta básica até redução de alíquota para joalherias.
— O importante é dar incentivo a atividades econômicas que são indutoras (estimulam outras atividades) — afirma.
O vice-presidente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), Sérgio Duarte, defende a manutenção de isenções:
— A margem do que poderia eventualmente ser revista é muito reduzida. O Rio foi o último estado a entrar nessa guerra fiscal, o que colaborou para que sofresse um esvaziamento econômico. O que defendemos é transparência na concessão desses benefícios.
O QUE DIZEM OS CANDIDATOS
Eduardo Paes (DEM)
O estado tem uma mania muito ruim de conceder benefícios sem passar pela Secretaria estadual de Fazenda, às vezes com aprovação de leis direto na Alerj. Isso vai mudar. Claro que contrato estabelecido tem que ser respeitado. Mas tem muita gente se valendo de benefícios fiscais para se dar bem. Não há fiscalização efetiva dos resultados que esses incentivos trazem. Vamos fiscalizar se as contrapartidas estão sendo cumpridas, gerando empregos e receitas para o estado, e impedir malandragens. O Confaz tem um papel importante também para equilibrar a disputa por incentivos entre os estados.
Romário (Podemos)
Temos que levar em consideração o potencial de cada região do estado e de cada setor da economia. O benefício fiscal tem que gerar emprego, tem que aumentar a arrecadação de ICMS. A Lei Complementar 160/2017 determina que a convalidação de todos os incentivos fiscais de ICMS ocorra até dezembro desse ano. Então, a partir de 2019 todos os incentivos de ICMS estarão abaixo do Confaz, e os estados ficam proibidos de criar novos incentivos. Os estados estão na fase de aderir aos incentivos dos estados vizinhos. Essa é uma decisão do atual governador e, ganhando a eleição, nós já vamos tratar disso no governo de transição.
Garotinho (PRP)
Logo de início, suspenderemos os incentivos por 90 dias. Vamos sentar com os setores de serviços para avaliar que incentivos fiscais realmente são necessários, eliminando aqueles que eventualmente só sirvam para estimular pagamento de propinas. Não creio que haja impedimentos legais para essa suspensão temporária. Pediríamos uma autorização para a Alerj. Não é possível estimar quanto seria cortado. O critério é manter aqueles que gerem emprego e ajudem no desenvolvimento econômico do estado de forma regionalizada. O processo seria feito junto com renegociação das bases do atual regime de recuperação fiscal.
Indio da Costa (PSD)
Os critérios (para revisar benefícios) são: saber se a receita que estou abrindo mão no presente se transformará em receita no futuro, em razão do desenvolvimento e crescimento econômico que essa empresa vai gerar no estado. Na discussão do Confaz, vou defender que, a rigor, estou abrindo mão de uma receita presente em favor de uma receita no futuro. Então, todos os projetos têm que ser analisados sob esse aspecto. Vou mostrar que o critério de avaliação do incentivo fiscal é de acordo com os interesses do estado . E apresentar todas as condições como empregos, e principalmente, o impacto no meio ambiente.
Tarcísio Motta (PSOL)
Na última década, os governos Pezão e Cabral executaram uma política de benefícios fiscais sem qualquer critério técnico que serviu apenas para conceder privilégios em troca de favores. Seria uma irresponsabilidade nossa mensurar quais seriam os cortes necessários antes de abrirmos as contas públicas e elaborarmos um estudo do impacto orçamentário e financeiro de todos os incentivos concedidos. De qualquer forma queremos tornar os gastos tributários mais inteligentes e eficientes. Tudo será executado nos termos da lei e respeitados os órgãos competentes, especialmente o Confaz.
Fonte: “O Globo”