O Podcast Rio Bravo conversa com com o cientista político Rogério Schmitt. Na entrevista, Schmitt fala sobre conjuntura política e análise eleitoral. No momento em que o Brasil assiste à corrida presidencial mais disputada da sua história recente, o cientista político destaca que as pesquisas não podem ser tomadas como referência definitiva para antecipar o que vai acontecer ao final das eleições. “A história eleitoral e a conjuntura de cada eleição nos ensinam a não-absolutizar os resultados das pesquisas”. Nesse sentido, além das pesquisas de intenção de voto, Rogério Schmitt apresenta outros três fatores necessários para a construção de cenários eleitorais, a saber: o retrospecto das eleições anteriores, os recursos de campanha de cada candidato e a história eleitoral mais recente do país.
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Rio Bravo: Para a gente começar, como é possível estabelecer um cenário eleitoral? Quais são os recursos, os elementos constitutivos de um cenário eleitoral?
Rogério Schmitt: Primeiro, a gente precisa deixar claro o que é um cenário. Um cenário não é uma bola de cristal, não é você afirmar “o futuro será desse jeito”. Olhando hoje, do presente, na direção do futuro, ninguém consegue saber com certeza o que vai acontecer. A gente pode imaginar diferentes configurações de futuro, diferentes futuros possíveis, que nós chamamos de cenários nessa linguagem mais acadêmica, então você constrói cenários, você constrói narrativas que podem nos levar do presente para cada um desses futuros possíveis. Feita essa observação, é preciso dizer que para você construir um bom cenário, ele nunca pode estar baseado num único tipo de dado. Não só cenários eleitorais, mas cenários econômicos, enfim, qualquer tipo de cenário. Você precisa, eu diria, sempre trabalhar com fontes de dados diferentes, com fundamentos, com elementos diferentes que se completam e que em conjunto resultam em diferentes cenários. Na área dos cenários eleitorais, eu diria que a gente pode fazer uma divisão bem didática. Você pode utilizar apenas elementos políticos e institucionais ou você pode também utilizar elementos econômicos, demográficos etc. Só para dar um exemplo, aliás, dessa divisão… Quer dizer, a gente sabe no mundo inteiro que existe uma correlação muito forte entre desempenho da economia e resultado eleitoral para presidente. Ou seja, quando o PIB está crescendo, a inflação está sob controle, a gente sabe, pela observação no mundo inteiro, que isso favorece as chances de o governo ganhar as eleições. Quando, ao contrário, a economia está indo mal, alta inflação, crescimento negativo etc., a chance da oposição vencer as eleições é muito grande. Isso só para dar um exemplo bastante conhecido de como a economia também desempenha um papel importante no desenho de cenários eleitorais, mas pensando apenas em elementos políticos e institucionais, a gente pode relacionar pelo menos uns quatro fatores diferentes que têm peso para elaboração de cenários eleitorais. Um, o mais óbvio, é pesquisa de intenção de voto. Ninguém pode fazer um bom cenário sem levar em conta as pesquisas. É óbvio que as pesquisas sozinhas não são suficientes para você desenhar bons cenários. A gente sabe que a pesquisa não pode ser ignorada, mas ela também não pode ser absolutizada. A pesquisa não é uma projeção do resultado, a pesquisa é uma simulação. O resultado de uma pesquisa, mesmo que seja feita uma semana antes da eleição, não está necessariamente dizendo o resultado da eleição. A única pesquisa que pode ser comparada com o resultado da eleição é a pesquisa de boca de urna, que a pessoa já votou e ela diz não em quem ela votaria, mas em quem ela acabou de votar. Tem um segundo elemento que é importantíssimo para você desenhar cenários que é o retrospecto das eleições passadas. Esse ano teremos eleição para presidente, a oitava eleição para presidente no Brasil desde o fim do regime militar. As sete eleições anteriores que aconteceram para presidente também têm lições importantes que devem ser levadas em conta no desenho dos cenários eleitorais: padrões, regularidades, também um certo elemento de imprevisibilidade. Cada eleição tem a sua história e o retrospecto dessas eleições deixa algumas lições importantes também para a eleição seguinte. Um terceiro fator importantíssimo são os recursos de campanha. Você precisa levar em conta fatores como dinheiro. A gente sabe que há uma correlação muito forte entre o caixa de campanha dos candidatos e o seu desempenho eleitoral. E um outro recurso de campanha que é muito importante no Brasil é o tempo de televisão. Há um conhecido efeito nas campanhas. A partir do momento em que o horário eleitoral gratuito passa a ser exibido, começam a haver as maiores oscilações nas intenções de voto dos diferentes candidatos. Eu diria que existe um quarto fator importante para a elaboração dos cenários, que é a história eleitoral bem recente do país. Nós tivemos em 2016 eleição municipal no Brasil inteiro para prefeito, para vereador e também alguns municípios em 2017, 2018 fizeram eleições suplementares para prefeito, então é importante também olhar essas eleições bem mais frescas na nossa linha do tempo e observar quais os padrões que se repetiram nessas eleições, que partidos têm se dado bem, que partidos têm se dado mal. De 2016 para cá, a gente percebe que houve uma mudança na força dos partidos políticos em relação, digamos, aos dez anos anteriores. Eu diria que para fazer um bom cenário você precisa colocar pelo menos esses quatro ingredientes no caldeirão, misturar e a partir daí você desenhar cenários que considerem ao mesmo tempo cada um desses fatores.
Rio Bravo: Em relação a esta eleição presidencial de 2018, o quanto dessa incerteza está atrelada à mudança na legislação eleitoral e nesse quadro partidário? Como é que esses dois elementos dialogam entre si?
Rogério Schmitt: Essa eleição é uma conjuntura diferente do que estávamos acostumados, então você tem, por exemplo, uma campanha mais curta. Nós vamos ter apenas 35 dias de propaganda na televisão. Campanha como um todo, 45 dias, 15 dias a menos do que em eleições anteriores. Essa é a primeira eleição presidencial onde não há mais a possibilidade das empresas, das pessoas jurídicas, fazerem doações. Sempre, a principal fonte de financiamento dos candidatos, dos partidos foram as doações empresariais. E você tem vários partidos novos que foram criados nos últimos anos, partidos que mudaram de nome, então se criou um quadro um pouco mais pluralista do que em eleições passadas. Todas as posições do espectro ideológico nesse momento estão ocupadas ou por algum partido ou por algum candidato, desde a extrema direita até a extrema esquerda, pelos vários tons intermediários — centro-direita, centro-esquerda, centro. Essa parece a eleição mais plural, do ponto de vista do cardápio de opções que estão sendo oferecidas aos eleitores. Isso, claro, cria incertezas adicionais.
Rio Bravo: Mesmo com essa diferença de recursos, algumas candidaturas parecem mais consolidadas do que outras. Nesse sentido, em que medida as eleições passadas e suas práticas, digamos assim, servem de referência para que se possa estabelecer algum diagnóstico do que está ocorrendo e que pode acontecer no futuro próximo?
Rogério Schmitt: Vamos deixar de lado a eleição de 1989, que foi a primeira eleição para presidente depois de quase 30 anos, uma eleição solteira. Se nós olharmos as últimas seis eleições para presidente desde 1994 até 2014, tem um padrão muito claro. Que padrão é esse? Nessas seis eleições, nós sempre tivemos uma polarização entre um candidato do PSDB e um candidato do PT. O PSDB venceu as duas primeiras eleições, o PT venceu as últimas quatro. Nas duas em que o PSDB venceu, o PT ficou em segundo. Nas quatro em que o PT venceu, o PSDB ficou em segundo. Poderíamos até chamar de um bipartidarismo virtual nas eleições para presidente. Isso não significa que não houve também azarões. Se nós formos puxar pela memória, em todas essas eleições você sempre teve ali uma terceira força ou às vezes até uma quarta força que, ao longo da campanha, aparecia como competitiva. A rigor, essa eleição não é tão diferente das anteriores pelo fato de existirem terceiras, quartas, quintas forças. Acho que a grande diferença dessa eleição talvez seja que, pela primeira vez, parece bastante razoável que ou o PSDB ou o PT não participem do segundo turno. Eventualmente, há até a possibilidade de que nenhum dos dois participe do segundo turno. Acho que essa é a grande novidade na comparação com as eleições anteriores. Talvez essa seja a eleição onde a probabilidade dessa polarização não se repetir é a maior de todas, e nesse aspecto ela lembra a eleição de 1989, mas só nesse aspecto.
Rio Bravo: Tomando o ano de 2016 como referência, parece que há uma urgência em ser o candidato outsider. Eu estou me referindo aqui especificamente às eleições presidenciais. Mais especificamente, aquele que não é político ou que efetivamente não obedece a mesma lógica dos políticos ou dos partidos tradicionais. Essa abordagem, digamos assim, tem chance de surtir efeito junto ao eleitorado a médio e longo prazo?
Rogério Schmitt: Eu sou um pouco cético em relação a essa hipótese de que existe uma grande demanda do eleitorado por renovação, de que existiria uma insatisfação generalizada com a chamada velha política, com os partidos e políticos tradicionais, e que haveria uma demanda, mesmo que uma demanda reprimida, mas uma demanda por renovação, por grandes mudanças, por outsiders. E por que eu sou cético em relação a isso? Porque se você olha as eleições mais recentes, a de 2016 e essas eleições suplementares de 2017 e 2018, você não constata essa realidade nas urnas. Os partidos que tiveram melhor desempenho nessas eleições bem recentes, de 2016 para cá, são alguns dos partidos tradicionais. É verdade que em vários municípios, inclusive municípios importantes, houve casos de figuras eleitas para cargos importantes ou que nunca tiveram uma atividade partidária anterior ou que até tiveram, mas era a primeira eleição que disputaram. Agora, também é verdade que isso não é um padrão majoritário, predominante no conjunto dos municípios brasileiros. Neles, ainda vale a regra de que quem está se dando bem são os partidos, os políticos tradicionais. É possível que ao longo da campanha haja reviravoltas e que alguns deles que estão na liderança hoje não serão eleitos. Vamos olhar para as eleições para o Congresso brasileiro. O Congresso brasileiro é, talvez — posso estar enganado –, o Congresso onde a taxa de renovação é maior a cada eleição. A gente sabe que, na média, 45%, 50% dos deputados não se reelegem de uma eleição para outra, então a nossa taxa de renovação aqui é quatro, cinco vezes maior do que a do Congresso norte-americano. Nós estamos falando de renovação quantitativa, de caras novas. Muitas vezes a pessoa que se elege é deputado de primeiro mandato, mas pertence a uma família política ou é um herdeiro político do ex-prefeito, é alguém que já tem uma trajetória na política do seu estado, mas, seja como for, a renovação no Brasil — isso frequentemente é desprezado pelos analistas –, o grosso dela acontece, eu diria, nas eleições para o Congresso. E me parece que nessa eleição as pessoas estão dizendo “Vai ser a menor taxa de renovação da história”, eu prefiro duvidar.
Rio Bravo: Ainda em 2016, as pesquisas de intenção de voto não conseguiram capturar, por exemplo, a ascensão repentina, o sprint final, do então candidato João Dória, à época postulante à prefeitura de São Paulo. Um processo semelhante, ainda que não seja idêntico, aconteceu nas eleições norte-americanas naquele ano também. É possível tirar alguma lição de 2016?
Rogério Schmitt: A gente não pode considerar as pesquisas de intenção de voto como único fator para você elaborar cenários eleitorais, porque as pesquisas têm um limite — vamos chamar de metodológico — inerente. Quer dizer, uma pesquisa não é uma previsão sobre o resultado das urnas. A pergunta que os institutos fazem aos entrevistados, tipicamente, é: se a eleição fosse hoje e os candidatos fossem estes, em quem você votaria? As pesquisas não perguntam “em quem você votará no dia 7 de outubro?”, por exemplo, que é o dia que a gente vai ter eleição esse ano, então você não está olhando para o futuro, você está apenas fazendo uma simulação de uma eleição hipotética caso o pleito estivesse acontecendo naquele dia, então uma pesquisa não é necessariamente um bom preditor do resultado da eleição. A pesquisa, além de ter um limite metodológico que é próprio, frequentemente a conjuntura eleitoral, a história de cada eleição nos ensina também a não absolutizar os resultados de pesquisas. Às vezes acontece, a pessoa que lidera a pesquisa desde o início e é eleita, mas não é a maioria dos casos, me parece.
Rio Bravo: Mesmo com o fenômeno da multiplicação das pesquisas, que era um dado que a gente comentava antes da entrevista começar… Quer dizer, hoje o público e o eleitor, de um modo geral, têm mais acesso a esses levantamentos, porque mais levantamentos têm sido feitos nessa temporada, nesta eleição, do que nas eleições anteriores. Mesmo nesse cenário, a gente ainda precisa observar com cautela.
Rogério Schmitt: É, mas a gente pode fazer a pergunta: será que as pesquisas influenciam o voto do eleitor tanto quanto parece à primeira vista? Porque às vezes a gente está meio enviesado, porque nós, jornalistas que acompanham a política, cientistas políticos, a gente tem um nível de acesso a informações políticas muito acima da média da população. Eu lembro que já teve pesquisas que perguntaram “Como é que as pesquisas influenciam a sua decisão de voto?” e de fato tem gente que responde “Eu voto em quem eu acho que vai ganhar, quem está em primeiro”, mas não é a maioria, está longe de ser a maioria. Então, primeiro, não é todo mundo que usa pesquisa como fator para escolher candidato e, dos que usam, nem todos usam da maneira que a gente espera, que é votar na pessoa que está na liderança.
Rio Bravo: São muitos os debates e muitas as rodadas de entrevista com os candidatos e também com os postulantes a vice. O público talvez jamais tenha sido tão informado sobre os postulantes aos cargos majoritários. Ainda assim, as pesquisas — essas mesmas que nós criticávamos agora há pouco — dão conta de que o eleitorado não está muito atento ainda ao que está acontecendo. O que explica esse afastamento?
Rogério Schmitt: Quase todas as pesquisas têm também a chamada pesquisa espontânea. Quando a pergunta é feita dessa maneira, a taxa de indecisos é sempre superior a 50%. As últimas pesquisas que eu analisei estavam dando taxas de indecisos… As pesquisas mais baixas estavam dando ainda 40% de indecisos, a maioria fica próximo de 50%, tem até algumas ainda que estavam dando 60% de indecisos. Metade dos eleitores só é capaz de manifestar preferência por algum candidato quando a lista dos candidatos é apresentada a eles pelo entrevistador nas pesquisas. E, de fato, para essa metade do eleitorado, eles só vão escolher o seu candidato na reta final mesmo da campanha, nas últimas semanas ou às vezes até na última semana da campanha, então tem uma variável que eu gosto sempre de observar com muito cuidado, com muita atenção, que é a taxa de indecisos na pesquisa espontânea. Ela só começa a cair mesmo, de forma mais abrupta, nos últimos 15 dias, na última semana mesmo de pesquisa. É de se esperar que haja uma volatilidade sim, até porque no Brasil — isso a gente sabe também através de pesquisas — um terço dos eleitores declara ter simpatia por algum partido, afinidade por algum partido, e desse um terço a maior parte declara ter simpatia pelo PT. Esses eleitores que têm uma simpatia partidária prévia, como se tivessem já uma camisa de time de futebol: “Eu não sei em quem eu vou votar, mas eu tenho uma afinidade por um partido, então a princípio eu vou votar no candidato ou nos candidatos que esse partido indicar”. Mas isso é um terço dos eleitores, dois terços não têm afinidade prévia por nenhum partido.
Rio Bravo: Para esse terço dos eleitores, portanto, é correto afirmar que o voto no candidato indicado pelo Lula vai ser uma certeza neste primeiro turno?
Rogério Schmitt: Não. Nós estamos falando aqui de eleitores potenciais, não estamos falando de certezas. Enquanto as pesquisas ainda incluíam o nome do Lula, ele aparecia mais ou menos com um terço das intenções de voto, o que equivale mais ou menos ao eleitorado que tem simpatia pelo PT ou também eleitores que não têm simpatia pelo PT, mas que têm simpatia pela figura do ex-presidente Lula. Essa é uma eleição onde a capacidade de transferência de votos do Lula não é tão grande como eleições anteriores. O caso mais célebre é a eleição de 2010, onde o Lula, com 80% de aprovação nas pesquisas, pegou na mão da Dilma, “Essa é a minha candidata” e ela, de virtual desconhecida, foi eleita presidente da República. Dessa vez, a possibilidade de isso acontecer não é tão comparável a 2010, por exemplo, pelo fato de o Lula não estar participando da campanha. Tem algumas mensagens e vídeos que ele deixou gravado, mas não é a mesma coisa de falar “Esse é o Haddad”. Não me parece que o potencial de votos do candidato do PT seja idêntico ao da Dilma em 2010, pelo fato do envolvimento do Lula ser, por razões logísticas, digamos assim, muito menor e pelo fato de agora nós estarmos na reta final, praticamente, da campanha. O Lula fez campanha pela Dilma durante um ano, em 2009 e em 2010. Agora vai ter pouco tempo para fazer essa transferência. Transferência de votos é algo que acontece sim, mas ela não é um fenômeno mecânico. Se o líder X tem tantos por cento dos votos, logo o seu liderado Y terá esses mesmos votos. Não é mecânico dessa maneira.
Rio Bravo: Rogério Schmitt, foi um prazer tê-lo aqui conosco no Podcast Rio Bravo.
Rogério Schmitt: Eu que agradeço. Foi um prazer participar e espero ter conseguido trazer alguns pontos de reflexão para os nossos ouvintes.
Fonte: “Rio Bravo Investimentos”