Nos últimos meses, o Brasil voltou ao palco e à capa de jornais e revistas ao redor do mundo – artigos sobre programas de governo, expectativas quanto as plataformas econômicas, análises histórico-sociais. De fato, as eleições presidenciais por aqui andam chamando atenção de muito gringo por aí.
Ao refletir sobre tal reação internacional, sobre nosso longínquo cenário doméstico – um tanto quanto conturbado – não deixo de me questionar: e o Brasil, como ele está vendo o resto do mundo? Qual seria a visão e estratégia de nossos presidenciáveis com relação a inserção internacional do Brasil nos programas de governo? Pois certamente não as escuto em debates acalorados e frequentes entre nossos candidatos ao maior cargo Executivo do país.
Estaria mentindo se dissesse que não as encontrei após alguns minutos de leitura dos programas de governo dos principais candidatos. E não estaria tampouco dizendo a verdade se passasse a apresentar aqui em riqueza de detalhes estratégias de um plano ou outro – pois de fato não encontrei mais do que alguns parágrafos em enormes relatórios ou “bullet points” de um slide.
Me impressiona, por exemplo, a ausência de qualquer menção ao processo de adesão do Brasil à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), organismo internacional constituído por 37 países, cujo objetivo é fornecer uma plataforma para análise, desenho e comparação de políticas socioeconômicas com base em conceitos e valores defendidos por seus membros, incluindo a democracia representativa e a economia de mercado.
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Em maio do ano passado, o Brasil apresentou solicitação formal para se juntar à OCDE, seguindo os passos de companheiros latino americanos como México, Chile e, mais recentemente, Colômbia.
Mais do que fazer parte de um “clube dos ricos”, a adesão formal à organização consolidaria um importante caminho que o Brasil já vem traçando nos últimos anos em direção a adoção de políticas em prol do livre mercado, da melhoria do ambiente de negócios doméstico, do aprimoramento de políticas socioambientais e de governança corporativa, entre outras.
Tal esforço, liderado por instituições como o Banco Central, Casa Civil e o Ministério da Fazenda, levou o Brasil a tornar-se o país não membro que mais aderiu a instrumentos propostos (alguns obrigatórios para membros, outros não) pela organização – tendo aderido em totalidade a 54 instrumentos, e aplicado a outros 80.
Nesse contexto, apesar de alguns candidatos defenderem uma maior inserção do Brasil na economia mundial (por vezes até com metas numéricas), priorizando o fomento do comércio internacional inclusive via novos tratados bilaterais, não há qualquer detalhamento pragmático de como isso será feito – ou de que maneira a atual política historicamente enraizada em instituições burocráticas e hierarquizadas como o Itamaraty será conduzida, ou alterada.
A quem ficariam subordinados organismos que representam o Brasil em negócios mundo afora, como a Câmara de Comércio Exterior (Camex, hoje ligada à Presidência) e a Agência Brasileira de Comércio Exterior (Apex, hoje ligada ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) em um eventual governo Bolsonaro ou Haddad, por exemplo? Haveria algum tipo de coordenação entre as pastas? E às negociações entre Mercosul e União Europeia, que se arrastam há quase duas décadas, qual será o nível de priorização dado pelo novo governo federal?
Perguntas como essas continuam, infelizmente, à margem do debate eleitoral. Por outro lado, o que se encontra é por vezes perigosamente uma repetição do que já provou-se ineficaz ou, no mínimo, irrelevante.
Em seu plano de governo, o PT, por exemplo, destaca a priorização do relacionamento Sul-Sul (alinhamento com países emergentes, do hemisfério sul, em detrimento de países desenvolvidos), se distanciando do que caracteriza como “risco de celebração de acordos comerciais de nova geração com países desenvolvidos, que criam obstáculos para que governos nacionais e progressistas pratiquem políticas autônomas de desenvolvimento”, sem ao menos definir que tipos de tratados seriam esses, e de que maneira esses trariam menor independência para seus membros.
Além disso, porque tais tratados seriam diferentes e piores nesse sentido do que potenciais tratados com países do cone sul do globo, com especial atenção à região Africana – apesar de pequena relevância comercial da região para o Brasil, relativamente à países como EUA, China e membros da União Europeia?
Infelizmente (de novo), já vimos esse filme e sabemos onde ele muito provavelmente nos levará. Nos últimos 15 anos, a estratégia brasileira no campo internacional concentrou-se nos mesmos dois principais focos: o posicionamento econômico diplomático sul-sul e o alinhamento comercial regional via Mercosul. Em que resultaram tais estratégias?
Durante esse período, o Brasil não foi bem-sucedido em nenhum dos quatro eixos principais de sua política exterior – a reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), a integração sul-americana, a política comercial extra regional e a atuação no âmbito do BRICS.
Enquanto isso, no campo da integração econômica e política da América do Sul, os esforços brasileiros revelaram-se um verdadeiro “tiro que saiu pela culatra”. Esforços em direções difusas acabaram por gerar reações negativas à pretensão brasileira de liderar a região e a própria fragmentação política e econômica, a exemplo do crescente número de acordos comerciais bilaterais firmados entre países latino americanos e o resto do mundo, e a criação da Aliança do Pacífico (entre México, Peru, Chile e Colômbia).
Houve na realidade, uma efetiva reversão dos avanços registrados desde os anos 1990, com o gradual congelamento da construção de um mercado comum e o retorno ao protecionismo entre os países membro (a exemplo do próprio Brasil). Para ilustrar, fluxos comerciais oriundos do bloco caíram de 20% dos fluxos totais, em 2000, para menos de 15%, em 2015.
Na mesma linha foi a tentativa de integração do Mercosul ao restante do mundo. Reflexo de tal estratégia é o número pífio de acordos firmados pelo bloco nos últimos anos. Três, com Cuba, Índia e Israel – mercados de pouquíssima relevância comercial aos países do bloco quando comparado a parceiros como EUA, China e UE. Três outros com países longe de figurarem entre os maiores parceiros comerciais do bloco, Egito, Palestina e União Aduaneira da África Austral nunca nem saíram do papel – devido à falta de decisão dos legislativos de cada país.
Em um mundo que passa por uma rápida e importante transição para uma ordem multipolar (tendo China e EUA no centro), e crescentes incertezas e reviravoltas como o fortalecimento do protecionismo de Trump ao Brexit, passando por países europeus e asiáticos, há também espaço para novas oportunidades. Espaço para novas alianças e parcerias que vão além do âmbito político, de fato estabelecendo as novas regras do jogo, especialmente para países como o Brasil, que ainda não encontraram (portanto, não definiram) seu lugar ao Sol global – alternando nas últimas décadas apoio e críticas à ordem liberal internacional.
É sob esse cenário global que elegeremos um novo chefe de Estado no Brasil em 2018, um ano que oferece potencial verdadeiro de mudança. Por enquanto, infelizmente, ainda não sabemos o que nossos presidenciáveis acham disso tudo.
Fonte: “Terraço Econômico”, 03/10/2018