Dizem que o juiz Sergio Moro não deveria ter levantado o sigilo da delação de Antonio Palocci neste momento, a apenas uma semana da votação, porque isso foi uma interferência política indevida na disputa eleitoral — interferência obviamente contra a candidatura do PT. Mas, se levando isso em consideração, o juiz resolvesse adiar sua decisão para depois da eleição, isso seria o quê? Interferência política na direção contrária, para ajudar ou ao menos não atrapalhar a campanha do PT.
Guardadas as proporções, é mais ou menos como o jornalista que tem uma notícia cuja publicação vai interferir na eleição. Se ele adiar a veiculação por conta disso, estará tomando partido. Dirão: mas se publicar também estará tomando partido.
Errado. Exatamente para evitar esse tipo de dilema, e esse tipo de participação política indireta, nossa regra de bom jornalismo é muito clara. A notícia está pronta? Publique já.
Do mesmo modo, se o juiz já firmou sua convicção e chegou a uma decisão, então que vá em frente.
Se não fosse assim, não haveria Lava-Jato, pois tudo de que trata ali — da apuração até a sentença —tem óbvia e enorme interferência política.
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Aliás, vai por aí a defesa de muita gente apanhada pela operação. Dizem que houve uma destruição da política, absolutamente inoportuna, e que isso compromete a democracia.
Para ser justo, o pessoal costumava fazer a ressalva: o problema estaria nos exageros da Lava-Jato, dos policiais, promotores e juízes. Entre esses exageros estaria a realização de operações em momentos inadequados, digamos, como nas proximidades das eleições.
De uns tempos para cá, entretanto, esse movimento foi esquecendo as ressalvas. Quer dizer, passou-se a dizer que toda a Lava-Jato foi um exagero. Logo, deve ser barrada o quanto antes.
Faz parte dessa tática centrar as críticas na periferia das questões. Por exemplo: em vez de se discutir o conteúdo da decisão de Moro, critica-se o momento, a suposta precipitação. Chega-se a esquecer o teor da delação para se discutir se deveria ou não ser tornada pública.
Não por acaso, é a mesma crítica, o mesmo ataque que muitos jornalistas e veículos estão sofrendo. Os que são de algum modo atingidos pela notícia não se defendem de seu teor, não tratam de apontar equívocos, mas acusam supostos interesses ocultos, conspirações de secretos sistemas.
Não é uma tática nova — desclassificar o emissor da informação. Por isso mesmo, nós, jornalistas, sabemos identificá-la de longe. Dizem que a gente só publica algo ou deixa de publicar porque tem um interesse oculto. A resposta é: pois apontem onde está o erro da notícia, onde está a fake news.
Deveriam todos saber que o maior temor dos jornalistas sérios é passar uma informação errada. Até por razões econômicas. Os jornalistas e os veículos vivem de prestar boa informação. Se falham nisso, vai-se a credibilidade e, claro, o honesto ganha-pão.
Do mesmo modo com a Lava-Jato. Ela teria fracassado não por exageros, mas por uma investigação malfeita e processos atropelados. Não foi o que se passou. O exagero foi da corrupção. Os caras de Curitiba iniciaram um processo que apanhou o maior escândalo corporativo e político do mundo contemporâneo.
Assim como a imprensa séria e independente tornou-se cada vez mais atrevida com as autoridades.
Ainda bem.
Dólar Haddad
Pessoal surpreendido com a queda do dólar depois das pesquisas de segunda e terça-feira. Era previsível.
O dólar a R$ 4,15 refletia o temor com a forte ascensão de Haddad e a possibilidade, por menor que fosse, que o PT e a nova matriz voltassem ao governo.
Afastada essa possibilidade, o dólar cai, a bolsa sobe. Isso é para o momento. E é uma simplificação no limite, pois para que o movimento fizesse sentido a médio prazo seria preciso que o outro lado, Bolsonaro, representasse um claro programa reformista. O que não é o caso.
Mas o do PT é declaradamente antirreformista. Para o mercado, serve. Por ora.
Fonte: “O Globo”, 04/10/2018