O Podcast Rio Bravo conversa o economista Roberto Luis Troster. Em pauta, uma análise da crise econômica na Argentina, que, nos últimos meses, se agravou fortemente. Na avaliação do entrevistado, o atual contexto econômico argentino tem, sim, a ver com o passivo deixado pela administração de Cristina Kirchner, mas também está relacionado ao fato de que o governo Macri optou pelo gradualismo ao implementar os ajustes necessários no início de sua gestão. “Maquiavel já dizia: faça o mal de uma vez e o bem aos poucos. Esse foi o pecado original de Macri, que foi corrigido rapidamente”. Nesse sentido, em que pese o fato de a Argentina ter buscado socorro junto ao FMI, Roberto Luis Troster observa que o presidente da Argentina deverá agora buscar o apoio da população, uma vez que o mercado tem reagido bem às saídas encontradas por sua administração. “Macri ganhou a batalha com os mercados, mas tem de ganhar a batalha com a população”.
Rio Bravo: Em que medida a crise argentina tem a ver com o passivo deixado pelo governo de Cristina Kirchner, que saiu em 2015?
Roberto Luis Troster: Tem a ver com ela, mas também tem a ver com todos os governos anteriores. A Argentina é um país muito rico, e tem uma diferença grande entre riqueza e prosperidade. Se você acha uma mina de ouro, você fica rico. Se você vai vendendo ouro — ou uma mina de ferro, de minério de ferro –, vendeu tudo e não fez nada, você ficou pobre. Se você transforma esse ouro em alguma coisa sustentável, alguma atividade sustentável, como, no caso da mina, fazer um hotel, investir em Educação, esse tipo de coisa, você faz a riqueza virar prosperidade. O governo da Cristina Kirchner, o que fez? Aproveitou dessa riqueza argentina e colocou a Argentina num mega déficit, então você congelou, por exemplo, as tarifas de eletricidade, gás, todos as utilidades, e fez uma dívida interna monumental, a troco do quê? De conseguir apoio popular, mas quebrando as companhias de gás, de eletricidade, então, efetivamente, ela fez um mau governo, mas os anteriores também fizeram. Quer dizer, o Néstor Kirchner antes, o segundo governo Menem. O Menem fez um primeiro governo bem feito, o segundo não. Quer dizer, essa mania de olhar só para o curto prazo dos governos argentinos é que coloca a Argentina, às vezes, em terrenos frágeis. Há também falhas do governo de Macri.
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Rio Bravo: O presidente Mauricio Macri usou a imagem de tempestade perfeita para falar a respeito da crise há alguns meses. Ainda assim e exatamente porque o país atravessou um episódio grave na história recente, em 2001, não deveria existir um protocolo com relação à contenção de catástrofes dessa magnitude?
Roberto Luis Troster: Com certeza, mas não só na Argentina. Quer dizer, no mundo inteiro. Se você faz uma história de crises dos últimos 50 anos, o Brasil teve oito anos nos últimos 50 em que andou para trás. A Argentina teve mais do que o Brasil. Macri fez dois erros. O primeiro, gradualismo demais. Você não pode ser gradualismo quando você faz algum aperto em Economia. Maquiavel já falava: faça o mal de uma vez e o bem, aos poucos. Esse, acho que foi o pecado original de Macri, mas corrigiu rapidamente e aí ele fez uns acertos. Foi a tempestade perfeita. Você teve uma quebra de 30% da produção agrícola, isso acabou se propagando para toda a Economia, combinado com o fato de que você estava tendo aqueles problemas da alta de taxa de juros americanos, combinado com os problemas que você estava tendo na Turquia, combinado com as incertezas no maior parceiro comercial da Argentina, que é o Brasil. Quer dizer, então juntou tudo, foi a tempestade perfeita. Agora, Macri teve coragem de reconhecer a falha e de atuar rápido. Foi duas vezes. Uma vez, ele fez isso em maio, quando o dólar começou a subir. Não foi suficiente, se falava em um pacote de R$ 50 bilhões de dólares. Foi lá de volta e conseguiu mais R$ 20 bilhões dólares e os mercados reagiram bem para ele.
Rio Bravo: As medidas relacionadas a austeridade fiscal não foram tomadas de maneira mais brusca do que deveriam?
Roberto Luis Troster: Se tem que fazer isso bruscamente. Quer dizer, ninguém gosta de austeridade, ninguém apoia o programa de ajuste. Fazendo uma analogia, se você vai cortar gastos numa casa, você sempre vai afetar alguém. Não existe um corte não doloroso. Cortes são dolorosos, têm um impacto social adverso, mas os mercados estão reagindo bem, a população e os sindicatos chamaram para uma greve. A greve não foi aquelas coisas, muita gente não apoiou a greve, que é algo inédito na Argentina, então ele ganhou a batalha com os mercados, agora tem que ganhar a batalha com a população, mas é sempre assim. Ajuste é doloroso, ajuste é impopular, mas você tem que fazer e se a sociedade entende que esse ajuste, um aperto fiscal no primeiro momento implica em mais crescimento no segundo momento, tem grandes chances de sucesso.
Rio Bravo: Essa foi a quarta greve que a Argentina atravessa durante a gestão de Mauricio Macri e alguns analistas até apostavam que essa seria a mais forte de todas. O presidente do Banco Central deixou o cargo. Esse tipo de instabilidade não vai gerar mais desconfiança junto aos mercados no tocante ao desenrolar da crise?
Roberto Luis Troster: São duas coisas. Primeiro, a dinâmica política argentina. Na política, você tem o Macrismo, você tem os Justicialistas, você tem os Cristinistas e você tem os outros, então essa dinâmica é muito intensa e está mudando muito rapidamente. Quer dizer, até que ponto a Cristina Kirchner está perdendo força sobre o Justicialismo, até que ponto quem ocupar o protagonismo da política argentina, então você tem uma briga política ainda bem indefinida de quem é quem, quem é Peronista clássico, quem não é, e isso é uma coisa. Outra coisa, óbvio, o momento para o presidente do Banco Central sair foi inoportuno, mas os mercados mais uma vez, o Dólar subiu a 39, quer dizer, ficou abaixo do pico anterior, e tudo indica, a perspectiva é de que ele vai para baixo.
Rio Bravo: O pedido de ajuda ao FMI de alguma forma é um sinal de que essa agenda do Macri falhou?
Roberto Luis Troster: Não sei se a agenda falhou ou a realidade mudou. Ele fez o que tinha que ser feito em maio, o problema era mais fundo e ele seguiu o livro-texto. Em crises, a gente tem desde… No Egito Antigo, você tinha as sete vacas magras. Crises são uma coisa corrente. A literatura de como enfrentar crise é do fim do século XVIII com um economista chamado Ernie Thornton. Ele fala: quando você tem uma crise, tem que injetar liquidez rapidamente e reagir rapidamente, você não pode se graduar numa crise. É o que ele fez em maio e está fazendo agora em setembro. Tudo indica que ele fez a coisa certa, rapidamente, com contundência. Apesar de ser a quarta greve, é uma greve mais fraca que as anteriores, então isso mostra que o presidente Macri está ganhando força.
Rio Bravo: Outros países emergentes têm sofrido em função do aumento da taxa de juros nos Estados Unidos. Você mencionou isso agora há pouco em uma das suas respostas. Explica para a gente, então, como é que se dá essa vinculação.
Roberto Luis Troster: O que acontece? O dinheiro busca retorno e segurança. O Dólar americano é um ativo seguro. O Dólar americano teve, desde a crise de 2008, com a taxa básica abaixo de 1%. Esse ano, começou a disparar, subir. Isso assustou os mercados. Subiu, mas está abaixo dos 3%, se estabilizou num patamar maior do que o anterior, mas muito abaixo da média histórica. Com o juro mais alto lá, os investidores começam a olhar risco-retorno. Coincidentemente, com isso você tem um pouco o efeito contágio. A Turquia começou a ter problema. A Turquia, em vez de atacar a raiz dos problemas, começou a fazer um discurso populista, emocional, teve aquele incidente de um pastor americano que está preso lá e o Trump fez ameaças para a Turquia. Isso acaba e todo mundo fica olhando. Eu sempre falo que não existe nada mais covarde do que o dinheiro. A Argentina já estava frágil por conta da quebra de safra. Politicamente, Macri também teve dois problemas adicionais. Um foi a lei do aborto. A lei do aborto tirou apoio popular dele, porque a Argentina é muito conservadora, ele colocou isso em votação em junho, não dava para adivinhar antes. Tem os famosos Cadernos, que detectaram um monte de corrupção, provas de corrupção da Cristina, então ela está atacando o governo, dizendo que é um ataque pessoal a ela em vez de ser uma prova de corrupção. Politicamente, ele está mais vulnerável do que estava, mas está enfrentando. Por enquanto, está ganhando.
Rio Bravo: Há espaço para uma acomodação menos abrupta em relação a esses mercados emergentes a médio e longo prazo?
Roberto Luis Troster: Não, acho que ou você é ou você não é, não tem meio termo. Ou você tem uma dinâmica consistente… Quer dizer, num mundo como está agora, com volatilidade alta, uma exuberância um pouco irracional de alguns mercados, alguma coisa, ou você está de um lado do rio ou do outro lado do rio, no meio do rio você morre afogado. Isso vale para o Brasil também, vale para todos os países do mundo, especialmente, nesse caso, Turquia, Argentina e Brasil. Vale.
Rio Bravo: Estar de um lado e do outro do rio significa estar mais alinhado com os Estados Unidos ou não, do ponto de vista da agenda econômica?
Roberto Luis Troster: Não, estar mais alinhado com princípios econômicos sólidos. Quer dizer, você tem que ser sustentável a longo prazo. No curto prazo, uma Economia pode ter um déficit. Por exemplo, uma empresa pode ter um déficit para fazer um investimento. Uma Economia, momentamente, por quebra de safra, essas coisas, pode ter um déficit, mas não pode ter um déficit indefinidamente, porque você entra no que é chamado “armadilha da dívida”. A dívida começa a crescer cada vez mais, quando começa a crescer a percepção de risco aumenta. Aumentando a percepção de risco, aumentam os juros, aí cada vez mais juros e você entra numa dinâmica que você não consegue evitar uma crise. Ou você está num estágio em que você consegue administrar ter um endividamento ou está num estágio em que você não consegue. A Argentina, com a ajuda do Fundo — e foi por isso que o Fundo Monetário foi criado, justamente para evitar esse tipo de crise, dar essa injeção de liquidez, e é o que a Argentina está fazendo. Aqui no Brasil, a gente está vendo que o Dólar começou de R$ 3,20 no início do ano e está em R$ 4,20 agora. Quer dizer, é um cenário perigoso que você tem que atuar rapidamente. Estamos aqui atuando um pouco devagar. A situação aqui é muito mais sólida do que na Argentina. Você tem um balanço de pagamentos sólidos, você tem reservas, mas você tem um mercado cambial disfuncional, o que explica isso.
Rio Bravo: Quais lições a crise argentina oferece para o Brasil do ponto de vista da percepção dessa situação, que é mais sólida, mas ainda assim significa mais volatilidade?
Roberto Luis Troster: Acho que essa pergunta você podia me perguntar daqui a uns dois meses, quando passar a tempestade. Se a tempestade passar bem, que eu acredito que vai acontecer, abre espaço para o Brasil fazer a mesma coisa. Tem problemas, ataca de frente, resolve e pronto. É isso que tem que ser feito. Brasil está olhando o Dólar subir, o Dólar subindo volátil agora é ruim para quem exporta, é ruim para quem importa, é ruim para o setor agrícola. Essa incerteza cambial é ruim para todo o setor produtivo, então isso tem que acabar e tem que acabar logo. O Brasil está mais forte do que a Argentina, mas poderia ser mais contundente na política cambial.
Rio Bravo: Qual tem sido o impacto dessa crise para as empresas brasileiras que têm lastro e laços com a Argentina?
Roberto Luis Troster: Primeiro, a incerteza, porque ninguém sabe para onde vai o Peso, se o Peso volta. O racional é que o Peso volte para trás, volte uns 35. Agora, ninguém sabe para onde vai. A incerteza mata. Na dúvida, não importa, não produz, não exporta, não nada, então está todo mundo assistindo. Agora, quando todo mundo fica assistindo o Produto Interno cai. A Argentina teve a maior queda de Produto Bruto desde 2006. É um quadro ruim. Quer dizer, acaba que o remédio acaba virando o veneno, então precisa consertar e precisa consertar rapidamente para poder crescer.
Rio Bravo: Do ponto de vista da agenda comum de Brasil e Argentina, como é que esses países devem se comportar a partir desse instante, tendo em vista que o mundo caminha com uma velocidade e as nações sul-americanas estão em outra velocidade?
Roberto Luis Troster: Acho que o upside tanto da Argentina como do Brasil é muito grande. Nós estamos olhando o mundo avançar, andando muito devagar. Acho que tanto a Argentina como o Brasil podem fazer muito juntos e pensar. Mais do que integração Argentina-Brasil e Uruguai-Paraguai, que é o Mercosul, é pensar nesses dois países ou no Mercosul como uma plataforma para exportar para o resto do mundo, então Argentina-Brasil, por exemplo, promovendo o turismo. Eu acho que Argentina e Brasil podiam fazer algo similar ao que a China está fazendo, a nova estrada da seda, integrando todo o Sudeste Asiático e a partir daí exportar para o mundo inteiro. A Argentina podia fazer a mesma coisa com o Brasil. Por que nós não promovemos o turismo do lado oriental da América do Sul? Venha conhecer o lado em que o Sol brilha mais na América do Sul, do Oiapoque ao Ushuaia, ou vinhos, por exemplo. Por que não juntamos todos? O Brasil produz alguns vinhos muito bons, a Argentina, juntos, ocupar as gôndolas dos supermercados do mundo inteiro. Para exportação de soja, de carne e tudo. Quer dizer, eu acho que a gente tem que começar a olhar para uma coisa que se chama “a pátria grande”. Esse é um sonho de falar que a pátria grande argentina é Argentina e Brasil. A pátria grande brasileira é Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai. Quer dizer, pensar um pouco mais. Eu acho que é a mesma corrente imigratória, muitas pessoas, muitas famílias têm parentes dos dois lados. Quer dizer, pensar com mais ambição nesse sentido.
Rio Bravo: A ambição do Mercosul em termos de integração de mercado não dá conta desse dinamismo do mundo globalizado?
Roberto Luis Troster: Você integra o Mercosul, em números redondos você vai ter menos de 300 milhões de habitantes. Se você pensa o Mercosul como uma plataforma para ocupar o resto do mundo, que são 7 bilhões de habitantes, está pegando um mercado que é mais de 20 vezes maior, então é pensar nisso, pensar no potencial que a gente tem para ganhar o mundo.
Fonte: “Rio Bravo Investimentos”