Em 2015, tivemos A Ponte para o Futuro, o plano de governo elaborado pelo então PMDB antes do impeachment de Dilma Rousseff. O documento até que era bom: falava na necessidade de conter gastos, na reforma da Previdência, nas reformas microeconômicas, pincelava algo sobre a reforma tributária, e até fazia acenos ao mundo com diretrizes para a abertura da economia brasileira. Como sabemos hoje, a ponte caiu no meio do caminho e o futuro resvalou para a desilusão e a raiva.
Há quase 20 anos, tivemos um voto indignado no Brasil que elegeu o PT – era a época do “temos de acabar com tudo isso o que está aí”. E por algum tempo, foi possível imaginar que o Brasil tivesse no “caminho para a prosperidade”. Mas, no meio do caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho. A pedra não foi fruto do acaso, mas moldada pelo PT e pelos demais partidos responsáveis pela inaudita corrupção que destruiu o Brasil e a civilidade dos brasileiros.
Agora, novamente nos oferecem O Caminho da Prosperidade, o plano de governo do candidato que lidera com margem ampla as pesquisas de intenção de voto. Eu li o plano de Bolsonaro, plano elaborado em power point, não em forma de documento com texto articulado e dados para substanciar propostas. Eis que logo na primeira página dei de cara com uma citação bíblica: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”, João 8: 32. Trata-se da primeira vez que vejo a Bíblia citada em um plano de governo, o que não deixa de ser desconcertante. Mas, o que esperar de um candidato cujo mote da campanha é “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”? Quem tem a primazia, o Brasil ou Deus? Pode parecer picuinha semântica, mas não é. Afinal, estamos escolhendo o governante do País, não o líder de uma seita ou igreja. Achei que tivéssemos nos libertado disso quando Lula foi afastado da política.
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Na quarta página do programa, o cabeçalho exclama: Liberdade e Fraternidade! Contudo, de lado ficou a igualdade, que não parece ser bandeira de Bolsonaro. O plano diz que “qualquer forma de diferenciação entre os brasileiros não será admitida”, mas difícil é saber o que isso significa. O power point de Bolsonaro tem 81 páginas em que 11 são dedicadas a temas complexos como saúde e educação – nada há de conteúdo, de propostas. Lá para a metade do monte de páginas chega-se aos temas relativos à Economia. Há uma página dedicada à retomada do crescimento, repleta de clichês. Há uma página dedicada à estabilidade macroeconômica, repleta de clichês. Há uma página dedicada à redução dos ministérios sem esmiuçar como será feita a unificação da Fazenda, do Planejamento, e da indústria e do comércio cujas pautas são bastante complexas. Lembra o esforço inútil de Collor em criar o Ministério da Economia. Há duas páginas, com três parágrafos de aproximadamente cinco linhas, dedicada aos temas eficiência do Estado e controle dos gastos. Duas páginas, quinze linhas. Há uma página sobre juros da dívida e privatizações que contém a seguinte frase: “Algumas estatais serão extintas, outras privatizadas e, em sua minoria, pelo caráter estratégico serão preservadas”. Esse é todo o plano de privatizações de Bolsonaro, cuja frase é um tanto incompreensível.
Há uma página sobre a reforma da Previdência e outra sobre reforma tributária. A reforma tributária é um retalho de contradições. Fala-se em simplificar e unificar tributos, ao mesmo tempo em que se afirma a descentralização e a municipalização dos impostos.
Fala-se em imposto de renda negativo “na direção de uma renda mínima universal”, sem explicar como isso será implantado ante as restrições fiscais que o País enfrenta. A parte sobre a Previdência é sofrível – em dois parágrafos menciona-se a migração para um sistema de capitalização, e ponto. Na mesma toada, o plano de Bolsonaro contém uma página sobre a legislação trabalhista, uma página sobre a abertura comercial, e uma página genérica sobre o aumento da produtividade. Esse é todo o “plano econômico” de Bolsonaro, resumido em parágrafos simplórios versando sobre temas extremamente complexos. Pitadas de “liberdade” ali, “liberalismo” acolá, e algumas menções do economista Milton Friedman são as migalhas que fizeram muitos acreditarem na miragem de que Bolsonaro tem, de fato, um caminho bem traçado para a prosperidade.
Se a sonhada ponte ruiu, corremos o imenso risco de que o caminho para substituí-la seja nada mais do que a estradinha de tijolos amarelos que leva ao Mágico de Oz, aquele que não é mágico, tampouco oráculo. Tudo acaba em tons de cinza, na melhor das hipóteses.
Fonte: “Estadão”, 17/10/2018