Luis von Ahn tinha motivos de sobra para começar a entrevista falando de si mesmo. Poucos dias antes ele havia ganhado nada menos que o Lemelson-MIT Prize, famoso prêmio que o Massachusetts Institute of Technology dá a jovens inventores cujas soluções tecnológicas melhoram o mundo. Até Bill Gates (com quem já esteve umas dez vezes) lhe havia dado parabéns, via Twitter.
Meio retraído, Luis, no entanto, só responde o que lhe é perguntado. Não que seja econômico demais nas palavras. Suas respostas, na maior parte das vezes, saem completas o bastante. É que propaganda não é mesmo com ele. O aplicativo de ensino de idiomas que criou, o Duolingo, prova isso. O programa chegou aos 300 milhões de downloads sem um centavo de investimento em publicidade. Hoje, é o app número 1 do mundo na categoria idiomas.
Os brasileiros tiveram papel importante nessa conquista. “O Brasil é o segundo país do Duolingo, com 31 milhões de usuários (atrás dos Estados Unidos, que tem 55 milhões)”, disse Luis, que esteve no país em setembro. “Temos uma base bem engajada aqui.” A visita ao Brasil teve como finalidade justamente a aproximação com quem usa o aplicativo. O empresário se reuniu com alguns em happy hour e visitou escolas que usam o app de modo informal.
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Com 140 funcionários (quase todos baseados em Pittsburgh) e faturamento de US$ 40 milhões (previsão para este ano), o Duolingo atraiu US$ 103 milhões em investimentos de 2012, ano de sua criação, até hoje. E mais aportes devem aparecer por aí. Todos os dias, segundo Luis, algum novo candidato a investidor entra em contato. Para ele, o interesse está no crescente número de usuários e no potencial da ferramenta. Faz sentido. Mas há outra razão aí que, se deixar, ele nem comenta. Nascido na Guatemala e residente da Pensilvânia há mais de uma década, Luis é um Ph.D em ciência da computação e um empreendedor de visão que coleciona prêmios por seus inventos. Ele criou o CAPTCHA, aquelas letrinhas que você digita às vezes na web para provar que não é um robô, e o reCAPTCHA, a versão seguinte do sistema que ajuda na digitalização de livros — comprada pelo Google em 2009 por algumas dezenas de milhões de dólares (ele não diz o valor exato).
Em conversa com Época NEGÓCIOS em um café no Itaim Bibi, em São Paulo, Luis falou sobre a estratégia do negócio, a possível abertura de capital e seu país, a Guatemala, um tema que nunca fica de fora em suas conversas.
Qual a importância do Brasil para o Duolingo?
O Brasil é o nosso segundo país em usuários e o terceiro em faturamento [embora grátis, o app gera receita com anúncios e assinaturas que dão ao usuário o direito ao acesso offline e à remoção de anúncios]. Pensávamos que no Brasil as pessoas não iam pagar por isso ou que os anúncios não iam nos dar muito dinheiro, mas ocorreu o oposto. A título de comparação, o México é o nosso terceiro mercado em termos de usuários, mas em receita está mais ou menos na 15ª posição. E a maior parte do dinheiro que vem dos brasileiros não é por cliques em anúncios. É via assinatura de usuários mesmo. E é uma receita que é o dobro da proveniente dos cliques. Cada clique rende ao redor de um centavo e por cada assinatura recebemos R$ 30 [há 25 mil assinaturas no país].
Curioso. O brasileiro tem fama de não querer pagar por serviços premium.
Quando lançamos a assinatura no Brasil, pensamos que o preço era muito elevado, porque é o mesmo cobrado nos Estados Unidos. Baixamos o preço no Brasil e passamos a receber menos dinheiro. Percebemos que há dois tipos de usuário no país. Os que pagam, em geral, têm iPhone. Não importa muito o preço para eles. Simplesmente não querem ver anúncios. A outra parte, que é a maioria, não paga. E não pagaria mesmo que o preço fosse menor.
Vocês nunca fizeram investimento em publicidade. Por quê?
Nunca fizemos nada. Há duas razões para isso. Primeiro, acreditamos que o boca é boca é a melhor propaganda. Se o produto é suficientemente bom, o boca a boca vai funcionar bem. Segundo, até pouco tempo atrás, não ganhávamos nada de dinheiro com o Duolingo. Então, seria estranho gastar para obter usuários com os quais não íamos ganhar nenhum centavo. Não fazia sentido. Mas agora, com a assinatura, já ganhamos algo. Acabamos de contratar uma chefe de marketing que tem passagem pela Nintendo e pelo Yahoo, onde ela tinha um orçamento de milhões de dólares. Algo ela vai querer gastar.
Vocês instalaram outdoor em San Francisco a fim de atrair talentos da região do Vale do Silício para Pittsburg (Pensilvânia). Ela veio de lá?
Sim. Foi a segunda pessoa que veio do Vale do Silício para trabalhar com a gente. A primeira foi um profissional que faz pesquisa com usuários. O trabalho dele é falar com os usuários e ver o que está ou não funcionando. Recebemos milhares de ligações quando instalamos esse outdoor. A ideia foi do Severin [Severin Hacker, o outro cofundador do Duolingo].
Como surgiu a ideia de criar o Duolingo?
Eu tinha acabado de vender reCAPTCHA para o Google, em 2011, e estava pensando no que fazer. Não havia necessidade de eu buscar algo para ter dinheiro. Queria fazer algo pelo qual eu fosse apaixonado. E sempre fui apaixonado pela educação, sabe? Algumas pessoas dizem que a educação pode unir as classes sociais. Mas, para mim, sempre pareceu o oposto. Em países como Guatemala e Brasil, as pessoas que têm muito dinheiro se educam muito bem e, portanto, seguem tendo muito dinheiro, enquanto as pessoas que não têm dinheiro apenas aprendem a ler e escrever e, por isso, nunca conseguem muito dinheiro. Portanto, eu queria fazer algo que desse a todos o acesso à educação. Decidi me concentrar na educação de idiomas e, de início, no inglês. Tem muito a ver com o fato de que sou da Guatemala. Todos querem aprender inglês na Guatemala, e esse ensino é muito caro. Eu queria oferecer uma maneira de aprender inglês grátis. E assim surgiu o Duolingo. Depois, pensamos: “se vamos oferecer inglês, por que não oferecer os outros idiomas?”.
Qual é o custo para operar o Duolingo?
Hoje, o custo da operação é de US$ 44 milhões ao ano. A maior parte corresponde ao salário dos funcionários [são 140]. Então, temos que ganhar dinheiro para pagar isso. Este ano vamos ganhar US$ 40 milhões, o que significa que vamos perder US$ 4 milhões. Mas é pouco [prejuízo]. Temos US$ 103 milhões em investimento [é o aporte que a empresa recebeu do ano de sua criação até hoje]. Se só perdermos US$ 4 milhões, estamos bem. Mas no próximo ano certamente não vamos perder dinheiro.
Qual é a meta do negócio?
A meta é que qualquer pessoa que queira aprender idiomas o faça por meio do Duolingo. Queremos seguir crescendo. Eu acho que no próximo ano vamos ganhar US$ 70 milhões, mas também vamos gastar US$ 70 milhões. Isso porque seguimos contratando mão de obra, é provável que gastemos em marketing…
Há muitos aplicativos de idiomas. Como se destacar deles?
O Duolingo não foi o primeiro aplicativo de idiomas a ser lançado, mas rapidamente ocupou o primeiro lugar [em downloads]. Somos dez vezes maiores do que o que vem em segundo lugar [Babbel]. Acho que há duas razões para isso. A primeira é que o Duolingo é grátis (a assinatura é só para quem quer usar o app offline e que não quer ver anúncio). Na maior parte dos outros aplicativos, tem que pagar por tudo ou pagar por algumas coisas. No nosso caso, tudo é grátis. Isso nos ajudou a crescer muito. A segunda razão é que fizemos o Duolingo parecer um jogo divertido. O mais difícil de aprender um idioma por si mesmo é manter-se motivado. Por isso, fizemos com que o Duolingo se parecesse com um jogo. A maioria dos aplicativos educativos, não só os de idiomas, tem baixas taxas de retorno de usuário. Das pessoas que experimentam esses apps pela primeira vez, ao redor de 95% não retornam no dia seguinte. No nosso caso, ao redor de 60% retornam no dia seguinte. Porque é fácil de usar e é divertido.
O Duolingo vai continuar a ser grátis?
Sim, continuará a ser grátis.
Você ganhou um prêmio que reconhece inventores que criam tecnologias que melhoram a sociedade, o Lemelson-MIT Prize. Você acha que seus inventos têm um papel social?
Não esperava esse prêmio, mas acho que sim. No caso do reCAPTCHA, foi uma invenção que ajudou a digitalizar milhões de livros. São livros de muitos e muitos anos atrás que são digitalizados com a ajuda dessa ferramenta e das pessoas que estão escrevendo os CAPTCHAS. E o Duolingo é um aplicativo de educação. Colecionamos um monte de histórias de gente que consegue um melhor trabalho quando aprende um novo idioma, especialmente o inglês.
Como é que você teve a ideia de criar o CAPTCHA?
A ideia original do CAPTCHA [o primeiro, que não digitalizava livros] surgiu quando o cientista chefe do Yahoo, que nessa época era a maior página de internet do mundo, deu uma palestra na Carnegie Mellon, onde eu fazia o meu doutorado. Ele falava de dez coisas que não sabia como resolver no Yahoo. Um desses problemas era que havia gente que escrevia programas para obter milhões de contas de e-mail grátis [como bots]. A empresa não sabia como deter isso. Aí me ocorreu: será que há algo que diferencie um humano de um computador? Porque um humano nunca vai obter um milhão de contas, certo? Depois de 30 contas, qualquer humano ficaria entediado. Fiquei vários meses pensando nisso e desenvolvi o CAPTCHA.
Mas você apresentou a solução ao Google, e não ao Yahoo?
Não, eu apresentei ao Yahoo. Eles usaram. Eu nem vendi para eles. Eu dei de graça esse primeiro CAPTCHA. Eu era um estudante e estava contente que o usassem. Foi depois que criei o reCAPTCHA.
Qual é a história do reCAPTCHA?
O Google [que comprou o reCAPTCHA] digitalizou milhares de livros antigos. Fotografou página por página dessas obras, cujas palavras o computador tinha que reconhecer. Mas ao redor de 30% das palavras não eram reconhecidas, especialmente no caso dos livros muito antigos. Essas palavras, então, viraram reCAPTCHA. Quando alguém escreve o que está vendo no reCAPTCHA, ajuda a traduzir um livro. Há livros de cem anos atrás disponíveis online por causa disso.
O Duolingo tem planos de fazer IPO?
Sim, acho que essa é a ideia. É difícil planejar exatamente quando vai ser, porque depende das condições do mercado. Cremos que pode ser possível fazê-lo em 2020, 2021… Mas, novamente, depende do mercado.
Você crê que há interesse por parte do investidor? O Duolingo não é um aplicativo que gera receita, por exemplo, como o Facebook, que só precisa que o usuário role a página eternamente para que a companhia receba muito dinheiro.
Eu acho que há interesse, sim, principalmente pela base crescente de usuários, que está em vários cantos do mundo. Além disso, apesar de não ser um aplicativo feito só para ganhar dinheiro, vamos fazer entre US$ 100 milhões e US$ 120 milhões em receita, o que é suficiente para uma empresa de capital aberto. Quase toda semana somos contatados por algum investidor que deseja investir.
Mudando de assunto, vi que, quando houve o referendo sobre o Brexit no Reino Unido, o número de downloads do Duolingo subiu — possivelmente em razão do interesse das pessoas (contrárias ao Brexit) em aprender novos idiomas e mudar de país. Confere?
Sim, subiu o número de downloads para aprender espanhol e francês na Inglaterra. E foi na semana do Brexit. Isso não foi coincidência. Foi cerca de 17% de aumento de downloads em uma semana, o que é bastante para um país grande como a Inglaterra.
Quais são seus próximos passos?
Bom, dentro do Duolingo, queremos fazer um aplicativo para alfabetização, para ensinar a ler no idioma da própria pessoa. A ideia é que adultos ou crianças aprendam a ler em seu idioma. Há milhões de adultos que não sabem ler no mundo. Espero lançar o aplicativo no próximo ano. Não sei como vamos ganhar dinheiro. Mas não importa. Vamos lançar e ver o que acontece.
Você tem algum projeto na Guatemala?
Sou apenas investidor de um meio de comunicação que se chama Nómada [jornalismo independente].
A exemplo de Jeff Bezos, que comprou o Washington Post, e Marc Benioff, que comprou a Time, você apoia o jornalismo, então.
Com um investimento bem mais modesto, claro. O Nómada é feito por um dos melhores jornalistas da Guatemala. Ele era integrante do maior veículo de comunicação do país. Como se trata de meio de comunicação, que não costuma gerar muito dinheiro, eu investi no novo projeto dele [US$ 200 mil dólares, aproximadamente]. Mas é um negócio difícil de ser sustentável. Acho que sempre vão precisar [de dinheiro].
Você vai perder dinheiro, então.
Certamente.
E?
Eu quero apoiar o jornalismo na Guatemala. Há tanta desinformação… Não sei como é aqui [Brasil], mas na Guatemala as pessoas acreditam em coisas estranhíssimas. O presidente agora está sendo investigado pelas Nações Unidas por fraude eleitoral. Ele retirou as Nações Unidas de lá e convenceu a maioria da população que a razão pela qual os retirou é porque as Nações Unidas querem conceder mais direitos aos homossexuais. E a razão real é a investigação da fraude eleitoral. E então agora ele se posicionou como de total direita, dizendo algo como “eu estou aqui para defender o casamento entre homem e mulher, os direitos da família…”. Quero apoiar o jornalismo sério.
Fonte: “Época Negócios”