Além de uma escolha simbólica, que marca o compromisso, não apenas retórico, do futuro governo Bolsonaro com o combate à corrupção no país, o Ministério da Justiça poderia ser uma etapa para a nomeação do juiz Sérgio Moro para o Supremo Tribunal Federal (STF) mais adiante.
Não é usual, embora não haja nada proibindo, que um juiz de primeira instância seja nomeado para o Supremo, mas é comum que o ministro da Justiça o seja. A atuação de Moro no ministério seria uma oportunidade para implementar reformas anticorrupção e anticrime organizado. E poderia servir como anteparo a eventuais excessos.
Convencido de que sua nomeação não empanaria a atuação na Operação Lava-Jato, e que os oposicionistas criticarão de qualquer maneira, como já criticam a Operação em si, Moro aguarda um contato oficial para saber se as intenções do presidente eleito Jair Bolsonaro nessa área correspondem ao que pensa.
Moro não acredita que, a partir da nomeação, a tese lulista de que todo seu trabalho nesses últimos anos foi feito por motivações políticas seja crível para a população. Nada mais natural que um presidente eleito muito por causa do combate à corrupção, e do apoio à Lava-Jato, convide o símbolo dessa luta para seu ministério.
Em vez de atrapalhar a condução dos processos, Moro poderá ajudar a tornar realidade medidas de combate à corrupção em sintonia com as propostas apresentadas pelos procuradores de Curitiba e ampliadas, a partir da reunião das melhores práticas nacionais e internacionais pela Transparência Internacional e as Escolas de Direito da FGV do Rio e São Paulo.
São propostas de reformas legislativa, administrativa e institucional apresentadas ao Congresso, visando oferecer soluções permanentes para o enfrentamento do crime. Se for confirmado que o governador eleito do Rio, Wilson Witzel, pretende mesmo convidar o procurador aposentado Carlos Fernando Lima para a Secretaria de Justiça no Rio, seria o embrião de um grupo que poderia dar respaldo político às propostas de combate à corrupção gestadas em Curitiba.
Confira outras análises de Merval Pereira
Novos tempos
Bolsonaro não terá cheque em branco
Emoções inesperadas
Carlos Fernando era um dos coordenadores dos procuradores da Operação Lava-Jato, e um dos que ativamente atuam, através das redes sociais, para disseminar as ideias do grupo e atacar o que considera ameaças de retrocesso na política de combate à corrupção.
Existe a especulação de que esse grupo poderia ser formalizado em um Conselho de Combate à Corrupção sob o comando de Moro no Ministério da Justiça, que também manteria a Polícia Federal, outra corporação fundamental no combate à corrupção dos últimos anos.
Outros estados poderiam seguir o mesmo caminho, e acabaria se formando, mesmo que informalmente, um grupo unido pelas mesmas ideias para combater a corrupção e o crime organizado, formado por servidores públicos com experiência nessa luta. Uma maneira de tornar a Operação Lava-Jato irreversível.
Curiosidades
Com relação ao Supremo Tribunal Federal (STF), uma curiosidade é que, como para ser indicado é necessário “notório saber jurídico” e reputação ilibada”, mas não ser advogado ou juiz, houve cinco casos de recusa, como lembra o decano do STF, ministro Celso de Mello em seu livro “ Notas sobre o Supremo Tribunal Federal”, todos no governo de Floriano Peixoto. O mais famoso deles é o do médico Barata Ribeiro, prefeito do Rio entre 1892 e 1893.
Os parlamentares concluíram que Barata Ribeiro não tinha, de acordo com documentos da época, “notável saber jurídico”, requisito fundamental para o cargo. Ele foi ministro do STF por pouco mais de dez meses e barrado na sabatina, que podia ser feita após a posse. Foi vítima da maioria oposicionista que dominava o Senado, que integrara por oito anos, a partir de 1900. Os outros quatro barrados foram os generais Ewerton Quadros e Innocêncio Galvão de Queiroz, e Antônio Sève Navarro e Demosthenes da Siveira Lobo.
Fonte: “O Globo”, 31/10/2018