A Receita Federal desafia o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) fixado no julgamento do Recurso Extraordinário nº 574.706 sobre a exclusão do ICMS da base do PIS e da Cofins.
No dia 18 de outubro de 2018, a Receita Federal, por sua Coordenação-Geral de Contencioso Administrativo e Judicial (COCAJ), emitiu a Solução de Consulta Interna nº 13 – Cosit, tratando da forma de apuração dos créditos decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo das contribuições.
Poderia ser uma louvável iniciativa, poupando a sociedade de reiniciar uma disputa judicial que já assola o Poder Judiciário há décadas, trazendo segurança jurídica e paz social. Mas a posição da Receita é para lá de controvertida.
Leia mais:
Adriano Pires: A Petrobras e o novo governo
Everardo Maciel: Em desagravo às jabuticabas
Lilianne Borges: Os princípios da responsabilidade e da prestação de contas
Diz a Cosit que “o montante a ser excluído da base de cálculo mensal da contribuição é o valor mensal do ICMS a recolher”. Reproduz diversas passagens de votos de ministros do STF, vencedores ou vencidos, inferindo que o STF teria autorizado a exclusão da base de cálculo do PIS e da Cofins do “ICMS pago” ou do “ICMS devido e recolhido” pela empresa. Em determinado momento, a Receita faz menção à própria “guia de pagamento” do ICMS.
Com todo o respeito, parece um equívoco semântico. A expressão “ICMS pago” ou “ICMS devido e recolhido” não é sinônima de ICMS constante na “guia de pagamento”. Ao contrário, o ICMS pago coincide com o próprio ICMS destacado nas notas de fiscais de faturamento da venda de mercadorias ou da prestação de serviços.
As lições de Alcides Jorge Costa, aqui representando a doutrina que já há muito predomina, ensinam que “o crédito tem mesmo natureza de crédito”. Diz que “o ICMS torna-se devido quando ocorre qualquer operação de circulação de mercadorias (…), calculado mediante a aplicação de uma alíquota à base prevista em lei. Portanto, este é o imposto devido”.
Quanto ao crédito, complementa que “em determinado momento, fisco e contribuinte são, ao mesmo tempo, credor e devedor um do outro. Nestas condições, suas obrigações extinguem-se até onde se compensarem.”
O princípio da não-cumulatividade é fator exógeno à regra modelo desse tributo (Geraldo Ataliba). Não passa de circunstância externa explicativa do tributo e, portanto, de seu fato gerador (Ives Gandra da Silva Martins). O crédito é moeda de pagamento do imposto, presente em relação distinta daquela cuja materialidade é a realização da operação de circulação de mercadorias (Allan Moraes).
+ Gustavo Binenbojm: O lucro do BC independente
A Lei Complementar nº 87, de 1996, artigo 24, define que as obrigações consideram-se vencidas na data em que termina o período de apuração e “são liquidadas por compensação ou pagamento em dinheiro…”. A liquidação ocorre, portanto, por mais de uma forma possível.
O pagamento em dinheiro, assim como a compensação, extinguem igualmente o crédito tributário (artigo 156 do Código Tributário Nacional).
O próprio ministro Luiz Fux, quando integrante do Superior Tribunal de Justiça, relatou acórdão apontando que “o direito de crédito é uma moeda escritural, cuja função precípua é servir como moeda de pagamento parcial de impostos indiretos, orientados pelo princípio da não-cumulatividade” (STJ, AgRg no REsp 1065234/RS).
Logo, a Receita faz interpretação tendenciosa e distanciada de conceitos jurídicos já sedimentados. O ICMS destacado na nota fiscal integrou indevidamente a base de cálculo – receita bruta – do PIS e da Cofins, eis que o valor recebido por todas as notas emitidas no período compõe a receita bruta mensal da pessoa jurídica. O ICMS é devido em cada fato gerador, somando-se a todos os outros ICMS no período de apuração previsto em lei.
Deve ser pago com créditos porventura existentes e, no montante em que faltarem créditos, devem ser pagos em dinheiro.
+ Luis Felipe d’Ávila: Hora de trabalharmos pelo Brasil
Da mesma forma, se a empresa detém créditos suficientes em sua escrita, seja por força de créditos acumulados decorrentes de operações de exportação, créditos recebidos em transferência de terceiros, créditos presumidos, outorgados ou meros saldos credores decorrentes de estoque, serão utilizados para pagar a totalidade de débitos de ICMS, gerando, naquele período, nenhum saldo a pagar em dinheiro.
No entendimento da Receita e na hipótese acima, nenhum ICMS teria sido incluído no faturamento da pessoa jurídica. Em outras palavras, a Receita entende que o ICMS constante nas notas fiscais, pagos pelos adquirentes ao vendedor de mercadorias no período de apuração, não compuseram indevidamente o faturamento.
Lembre-se que a não-cumulatividade do PIS e da Cofins respeita o mecanismo de base sobre base. Vale dizer, não é o PIS e a Cofins pago na operação anterior que gera direito a crédito. É o valor pago ao fornecedor que deve ser deduzido do valor da venda de mercadorias e serviços, apurando-se, então, a contribuição a pagar. Se arcou com o custo na aquisição, incluindo ou não ICMS, fará jus à não-cumulatividade e isso não afeta a composição da base de cálculo de tais contribuições.
A verdade é que o ICMS que compôs a receita bruta – base de cálculo do PIS e da Cofins – é aquele destacado nas notas fiscais de venda de mercadorias e de prestação de serviços sujeitos ao imposto.
Fonte: “Valor Econômico”