“Política é atividade para pecador.” A conclusão é de Hermes Lima (1902-1978), do alto de sua vastíssima experiência política como ministro do Trabalho, deputado, primeiro-ministro, chanceler e ministro do STF.
Lima referia-se aos inúmeros “pecadillos” que marcam o quid pro quo da formação de alianças e negociações políticas e não à corrupção como método de governo.
Esses “pecadillos do bem” confundem-se com a atividade política, sobretudo em regimes presidencialistas e multipartidários, sustentou Robert Dahl (1915-2014), o mais importante cientista político do século 20.
Sob o parlamentarismo, sustenta Dahl, as funções simbólicas —de chefe de Estado e representação da nação— e executiva —de chefe de governo— são separadas; monarcas e presidentes cerimoniais ocupam-se da primeira, e o primeiro-ministro da segunda. No presidencialismo, essas funções sobrepõem-se no mesmo agente.
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A opinião pública espera que “o presidente atue como líder partidário e negociador habilidoso que bajula, manipula, ameaça e coage o Congresso de forma a garantir votos para que promessas e políticas sejam implementadas. Mas também que o presidente seja um exemplo moral, um ícone a quem se atribuem qualidades de inteligência, conhecimentos, compaixão, e caráter acima dos mortais”. (Dahl)
O presidente não pode cometer pecados sérios —em que suas falhas de caráter tornam-se evidentes; quando o faz as consequências são desastrosas. Mas pecadilhos —o rame-rame da barganha política— que refletem estratégias de acomodação e manipulação são constitutivos da política, sobretudo em contextos multipartidários.
Exigir que a política seja limpa de trocas corruptas —o que se tornou mais que exigência, um imperativo— não implica que não sejam necessárias barganhas e transações que são a essência das relações Executivo-Legislativo. Entendê-las como criminalização é incorrer em erro interpretativo: significam, na realidade, a colonização da política pela moral.
A vida privada e suas escolhas morais e religiosas não cumprem papel algum nas escolhas políticas de uma sociedade liberal. Nela não há lugar para perfeccionismo moral, o que não significa que não há espaço para as virtudes. Mas que as únicas admissíveis sejam aquelas que fazem parte do republicanismo clássico: as virtudes políticas, tais como compromisso com a coisa pública ou a tolerância.
Assim, mesmo que o imaginário social sob regimes presidencialistas faça exigências morais sobre governantes —e vale lembrar, também sobre os governados—, há limites que são dados pela necessária separação entre moral e política, entre política e pecado.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 19/11/2018