O nacionalismo está em alta no mundo. Trump segue com um discurso de protecionismo econômico, abandono de acordos internacionais, fechamento de fronteiras e mudança de postura dos EUA para com seus aliados. A China já se beneficia da retração americana e busca ocupar esse espaço na economia globalizada. Ainda é cedo, contudo, para avaliar as mudanças, pois poucas alterações concretas aconteceram.
A exceção é o Reino Unido. Lá, a ideologia nacionalista levou a melhor e o país se vê às vésperas de decidir como se dará a saída da União Europeia. O acordo que a primeira-ministra Theresa May conseguiu negociar com a UE não agrada a ninguém. O sonho romântico de uma Inglaterra livre das amarras europeias se esborrachou no chão duro da realidade.
Apenas sair de uma vez, sem acordo nenhum, seria catastrófico: o Reino Unido se tornaria um país isolado e sem os seus mais importantes laços econômicos. Hoje em dia, quase metade das exportações britânicas vai para a UE.
Se o Reino Unido quiser preservar seu acesso ao mercado europeu, terá que se submeter às regulamentações europeias, com a diferença de que não terá mais nenhuma influência em sua formulação. Novos acordos econômicos —ambição nutrida por uma minoria mais esclarecida dos defensores do Brexit, e não pela maioria que só queria uma Inglaterra protegida da concorrência internacional e sem imigrantes— também terão que esperar por anos a fio antes de sequer iniciar negociações, e ficarão igualmente limitados.
A tentação burocrática de tudo regulamentar e insistir no objetivo de uma união política que nunca foi desejada pela Inglaterra (e que encontra resistência entre os países continentais também) criou as bases para a decisão atabalhoada do Brexit. Dado o tamanho do fiasco, já se especula sobre a possibilidade de um novo referendo, o que seria um tapa na cara na ideia da soberania popular. Seja qual for a solução, para nós ficam algumas lições.
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A primeira é que o referendo é um jeito ruim de tomar decisões coletivas. Compromete o destino da nação à opinião popular mensurada em um momento específico, sujeita às vicissitudes da propaganda e dos sentimentos momentâneos.
É para evitar esse exercício potencialmente tirânico do poder das massas (e dos demagogos que se aproveitam delas) que temos a democracia representativa. Escolhemos representantes com mandatos curtos e que preservam sua autonomia para julgar as circunstâncias do momento e, munidos da informação necessária, tomar a escolha que lhes parecer melhor.
A segunda lição é sobre como se relacionar com o mundo. Ernesto Araújo, nosso futuro chanceler, acredita que os acordos internacionais aos quais o Brasil se sujeita são parte de uma conspiração globalista para destruir a humanidade. Se esse delírio conspiratório guiar nossa política externa, o Brasil trabalhará contra a ordem mundial liberal da qual se beneficia e que ajudou a construir.
A Inglaterra oferece uma pequena amostra do que está envolvido nessa decisão e da mentira que está por trás dela. A soberania nacional não é ameaçada quando se escolhe fazer parte de acordos com outros países. Essa adesão é livre, traz sim alguns compromissos e, também, imensos benefícios dos quais, de tão comuns, é fácil esquecer.
Caso o Reino Unido de fato efetue sua separação, estará em busca de novos parceiros comerciais. É uma oportunidade que não podemos perder. Quanto ao exemplo de abandonar acordos proveitosos por um arroubo nacionalista popular, esse é melhor não imitar.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 20/11/2018