Pilar incontornável da inovação, o financiamento foi enxugado pela crise. Apenas no BNDES e na Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), principais agências estatais de fomento à pesquisa e desenvolvimento, o volume desembolsado no ano passado para esse fim ficou R$ 10 bilhões abaixo do de 2014, antes da recessão. Passadas as eleições e com a expectativa de recuperação da economia, a tendência é que esse crédito volte a crescer junto com o apetite dos empreendedores. Mas quem ainda está disposto a correr riscos se queixa de que o pouco dinheiro que existe para incentivo é de difícil acesso.
Só no BNDES, o crédito à inovação totalizou R$ 2,27 bilhões no ano passado, menor volume desde de 2010 e 62% menos que no pico (2015).
— O valor absoluto, de fato, diminuiu, mas isso é natural diante da demanda menor provocada pela crise e pela própria estratégia de menores desembolsos do banco como um todo nos anos recentes. O importante é que tentamos manter o patamar de valor relativo — justifica Maurício Neves, superintendente de planejamento.
Veja também:
FGV aposta em mentoria para startups e empreendedores
Bernardo Bonjean: O que esperar de Brasília a partir de janeiro?
João Mauad: Pelo fim do balcão de negócios
O crédito à inovação respondeu por 3,2% da atividade do BNDES em 2017, menos que nos dois anos anteriores, mas mesmo patamar de 2014. O valor é, porém, bem superior ao que havia antes disso — em 2009, por exemplo, ele representava apenas 0,4%.
Se a proporção se mantiver no ano que vem, o volume de crédito à inovação deve dobrar, uma vez que o presidente do BNDES, Dyogo Oliveira, espera que os desembolsos cheguem a algo entre R$ 140 bilhões e R$ 150 bilhões. A questão é que o comando do banco mudará de mãos. A chegada do economista Joaquim Levy, de acordo com especialistas, poderia levar a novas reduções de desembolsos. No entanto, segundo interlocutores, um dos seus focos será justamente a inovação.
Para os técnicos do BNDES, o programa é efetivo. Empresas apoiadas por seu crédito à inovação investiram de 32% a 40% mais em pesquisa e desenvolvimento do que outras, diz um estudo do banco.
Na Finep, ligada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, os últimos anos foram de encolhimento. Em 2017, a agência desembolsou R$ 2,12 bilhões em créditos reembolsáveis, queda de 11,6% ante 2016 e apenas uma fração dos R$ 8,7 bilhões liberados em 2014. Uma das razões foi a redução de sua maior fonte, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que chegou a arrecadar R$ 5,1 bilhões em 2014 e iniciou este ano com R$ 1,1 bilhão de orçamento aprovado. Mas a crise também reduziu a demanda de empresas por financiamento.
Este ano, porém, houve reaquecimento. O volume total de novas contratações foi de R$ 1,7 bilhão, 25% mais do que em 2017.
— Conseguimos reverter uma situação de dois anos de queda. Temos mais R$ 1 bilhão em fase final de contratação — afirma o diretor de Inovação da Finep, Francisco Rennys Aguiar. — Vamos começar 2019 com estoque bastante elevado de recursos e pretendemos fechar os primeiros quatro meses com a contratação de R$ 2 bilhões.
+ Quatro desafios para acelerar o empreendedorismo no país
Já o BNDES criou recentemente o programa Garagem, de aceleração de start-ups, e vai lançar no ano que vem um hub para concentrar empresas nascentes. O banco avalia a criação de um quarto fundo Criatec, carro-chefe no pilar de investimento direto em empresas de base tecnológica. Iniciados em 2007, os fundos Criatec já estão em sua terceira edição, têm patrimônio de R$ 500 milhões e já investiram em mais de 70 empresas.
Investidores de risco
Embora as fontes públicas de financiamento tenham encolhido, o capital comprometido em venture capital (aportes de risco em start-ups) cresceu de R$ 6,1 bilhões para R$ 8,3 bilhões entre 2016 e 2017. Os números são da Abvcap, que reúne gestoras do segmento. De acordo com o conselheiro Humberto Matsuda, embora BNDES e Finep sejam importantes, não são mais imprescindíveis ao ecossistema.
— Hoje, já há uma variedade muito grande de fontes de investimento, com investidores estrangeiros e pequenas gestoras — afirma ele. — O grande problema não é o financiamento em si, mas o ambiente de negócios. Se você não tem ambiente bom para start-up, por que alguém dará dinheiro para um empreendedor?
Apesar da variedade de opções, os empreendedores reclamam de obstáculos. Um exemplo é Emerson Martins que criou a start-up PrixPay, sistema de pagamento baseado em QRCodes.
— Procurei investidores-anjo, mas a maioria está disposto a colocar valores pequenos. Pelas linhas do BNDES, os bancos que intermedeiam o crédito me cobraram juros impraticáveis. Pela Finep, só consegui financiamento para máquinas, o que não atendia minha necessidade — conta o empresário. — No fim das contas, vendi um apartamento em Copacabana e coloquei dinheiro do próprio bolso.
Martins diz já ter investido mais de R$ 700 mil no projeto. Agora, precisa de mais R$ 500 mil para propaganda:
— Estou voltando a procurar financiamento, mas ainda não consegui. Possivelmente terei que tirar mais dinheiro do bolso para viabilizar meu sonho.
+ Roberto Troster: “Um ambiente macroeconômico ruim encolhe horizontes”
‘Start-ups geram impacto social’
Boa parte da inovação feita hoje no mundo dá origem a novas empresas, não é gerada dentro de uma. Confira a seguir uma curta entrevista com a diretora de Investimento do BNDES, Eliane Lustosa:
O BNDES tem hoje instrumentos para ajudar start-ups a se viabilizar?
O BNDES possui um histórico de apoio ao segmento de “empresas emergentes”, com crédito ou participação acionária direta ou indireta, por meio de fundos de investimento, como os Criatec. Criamos o BNDES Garagem para ser um centro de geração de novos negócios e de apoio ao longo ciclo de desenvolvimento das start-ups. O objetivo é contribuir com outros desafios importantes, como o estabelecimento de uma extensa rede de conexões para seu desenvolvimento, incluindo a aproximação com grandes empresas, parceiros, investidores, universidades.
Incentivar start-ups é uma forma de impulsionar crescimento econômico?
Com a economia digital, diversas start-ups se transformaram em grandes empresas. Atualmente, há consenso que as start-ups são loco de desenvolvimento tecnológico, de soluções inovadoras e com grande impacto social. Empregam mão de obra qualificada e alavancam a geração de negócios e riqueza.
Fonte: “O Globo”