Nem bem os novos governadores começam a tomar pé da dramática situação financeira que herdaram, já se intensifica o bombardeio na grande mídia sobre a atuação recente dos dirigentes estaduais em geral, em que a colocação central é de que, em princípio, governadores são agentes governamentais irresponsáveis financeiramente. Visão que certamente teve propagadores contumazes no seio das autoridades fazendárias federais, que parecem se esquecer dos gigantescos desequilíbrios financeiros que eles próprios vêm carregando há vários anos.
A última ação supostamente irresponsável veiculada na mídia foi a de alguns governadores virem recorrendo ao Poder Judiciário para tentar corrigir as injustiças que lhes seriam perpetradas, como se isso não fosse um mero direito deles. Na verdade, viva o Judiciário, sem cuja ação moderadora não se sabe aonde os prejuízos do desastre estadual já nos teriam levado.
Resumindo o que venho repetindo em vários artigos, o problema das finanças estaduais é mais complexo do que possa parecer à primeira vista. Há gastos mínimos previstos no orçamento que são domínio estabelecido de alguns segmentos, seja por prioridade óbvia (saúde e educação), seja por força política natural, e uma legislação específica pune pesadamente os dirigentes que não cumprirem o que se determinou que fosse executado tal e qual.
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Os próprios “poderes autônomos” — Judiciário, Legislativo e Ministério Público —, cuja autonomia administrativa e financeira foi conferida explicitamente pela Constituição de 1988, e que são exatamente os que fiscalizam e velam pela aplicação estrita das leis, vêm agindo em defesa de “duodécimos” no mínimo fixos em valores reais, alegando a imperiosa necessidade decorrente das novas funções que receberam (incluindo o esforço anticorrupção que a sociedade tanto tem reconhecido).
Nesse contexto, e voltando ao plano federal, é difícil entender a reação despropositada à virtual decisão — a meu ver já tomada pelo STF —, cujo poder não pode ser subestimado, de reajustar seus salários pela inflação acumulada num determinado período, aceitando em troca a extinção dos desgastados auxílios-moradia, e determinando implicitamente que se encontre o caminho para circunscrever os reajustes a um grupo bastante reduzido de autoridades, conforme se depreende de declarações oriundas do STJ.
Completa-se o quadro de complicações para os governadores as elevadas despesas que pouco ou nada controlam, como a de inativos e pensionistas e o serviço da dívida, esta basicamente devida à União, sem falar na recessão feroz que assola o país. No primeiro caso, há dois agravantes: um, seu elevado crescimento recente e tendências explosivas à frente; o outro, o fato de que nenhum dos “donos” do Orçamento (poderes autônomos, saúde, educação e segurança, esta, em breve, um novo player relevante, diante dos gravíssimos problemas da área) aceita pagar a sua parte na despesa total de inativos — ou contribuir para sua previdência, como patrão específico que é. Ou seja, cabe aos governadores fazer isso com seu próprio orçamento residual. (Há inclusive uma lei complementar que proíbe explicitamente que se considere o item previdência nos gastos mínimos do setor saúde).
Assim, se somarmos todas as fatias do orçamento sobre as quais os governadores praticamente detêm quase nenhum comando, sobra pouco para o governador administrar. No caso de Minas Gerais, por exemplo, cheguei, para 2015, a 65% da receita líquida orçamentária total. Só que os restantes 35% precisariam ser capazes de bancar os “demais custeios” das secretarias não prioritárias, os investimentos em infraestrutura (cuja obrigação de gastar foi transferida implicitamente da União para os entes subnacionais com a extinção dos “impostos únicos” em 1988), e, por último, a previdência dos servidores. Só que, em Minas, o conjunto desses últimos itens somou 50% da receita naquele ano, faltando 15% da receita para fechar a conta. Resultado: deficits em cima de deficits, até chegar à dramática situação atual de atrasados proliferando para todos os lados, em que pese receitas extraordinárias obtidas ao longo dos anos.
Considerando a força política das corporações de servidores, onde já se teme abertamente que seu regime previdenciário tenha perdido sustentabilidade, a saída é conseguir apoio dos seus representantes para o esforço de equacionamento (ou eliminação) dos passivos previdenciários dos respectivos regimes. Isso deverá envolver mudanças de legislação e ações governamentais específicas (como o aporte de ativos e outros recebíveis nos fundos de pensão que forem criados), mas abrirá espaço significativo nos orçamentos estaduais.
E, como boa parte dos deficits orçamentários desde 2015 tem muito a ver com previdência, os atrasos de pagamentos acumulados até agora poderiam ser equacionados até o fim de 2019 como parte do processo de reorganização previdenciária acima citado, com a chancela do Ministério Público e do tribunal de contas estadual.
A reforma da Previdência — reforma de regras — deve ser parte desse esforço, mas não seu carro-chefe. Muito boa, só que demora a mostrar resultados.
Fonte: “Correio Braziliense”, 27/11/2018