No início do ano, houve forte surpresa desinflacionária. O Relatório de Inflação de dezembro de 2017 indicava que o IPCA (o índice oficial da meta) do primeiro trimestre de 2018 seria de 1,4%, e o indicador acabou sendo de 0,7%. Tudo sugeria que a inflação fecharia o ano em 3%.
No entanto, três choques alteraram essa situação muito confortável dos preços: forte desvalorização do câmbio, de R$ 3,2 para o patamar de R$ 4,2, atingido em meados de setembro; forte elevação do preço do petróleo, de US$ 55 em dezembro de 2017 até US$ 75 em outubro; e o movimento dos caminhoneiros em maio.
Esses choques pressionaram muito a inflação de preços administrados.
O mercado financeiro começou a considerar a possibilidade de que o Banco Central iniciasse um ciclo de elevação das taxas de juros para combater a desvalorização do câmbio ainda neste ano.
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Em meados de junho, o mercado indicava que o Banco Central iniciaria ainda em 2018 um ciclo de alta da taxa básica de juros, a taxa Selic, com cinco altas de 0,5 ponto percentual cada uma, fechando o ano em 9%.
Previa-se toda essa subida não obstante a forte surpresa contracionista na atividade —no início do ano, achávamos que a economia iria crescer 3%, e ela fechará o ano em 1,4%— e a manutenção do desemprego na casa de 12%.
O livro-texto sugere que, no regime de metas de inflação, somente faz sentido elevar os juros em seguida a choques de oferta, como foi o caso neste ano, se houver sinais de que o choque vai se espraiar para os componentes não diretamente afetados por ele.
O câmbio e o preço do petróleo sobem. Evidentemente o preço da gasolina subirá. Se a subida do preço da gasolina e de outros itens diretamente afetados pelo câmbio ensejar um processo de remarcação generalizado dos preços, o BC tem que subir os juros para combater esses efeitos secundários do choque de oferta sobre a inflação.
Foi o caso, por exemplo, em 2015 e 2016, em que havia sinais claros de repasse do choque cambial e da correção dos preços administrados sobre o índice como um todo, principalmente os serviços.
Ocorre que, ao longo deste ano, os preços dos serviços, que são os mais sensíveis a excesso de demanda ou de oferta no mercado doméstico de bens e serviços, não se aceleraram. O motivo é que o elevado desemprego e as expectativas de inflação muito ancoradas, em razão da boa reputação do BC, têm impedido repasse do choque de oferta para os preços.
Ou seja, no regime de meta de inflação, diferentemente do regime de câmbio fixo, a política monetária é o elemento regulador da demanda agregada, e não do câmbio.
Tratei desse tema neste espaço em 10 de junho último. Parte do choque cambial se reverteu, o choque do preço do petróleo reverteu-se integralmente, e os efeitos do movimento dos caminhoneiros sobre a inflação foram transitórios.
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O choque afetou a inflação: iria fechar o ano na casa de 3% e agora fechará pouco abaixo de 4%. Mas não afetou a inflação de serviços, que fechará o ano em 3,2%.
Ilan Goldfajn manteve o sangue-frio e não seguiu o mercado. A taxa Selic ficou parada em 6,5%. Há sinais de que a economia inicia lenta aceleração. Teria sido abortada se Ilan tivesse seguido o mercado.
Os banqueiros centrais seguem o livro-texto. Ilan sairá do Banco Central e será sucedido por Roberto Campos Neto. Sucesso ao novo presidente.
Ilan deixa ótimo legado: inflação baixa, juros nas mínimas históricas e expectativas inflacionárias ancoradas.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 02/12/2018
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