O conto do sapo, muito utilizado em palestras e cursos, diz que um sapo inserido num recipiente com água na mesma temperatura inicial do seu habitat não percebe o aquecimento gradual da água e permanece estático até morrer na fervura. O mesmo experimento feito com água a uma temperatura inicial elevada provoca uma reação instantânea no sapo, que salta imediatamente para fora do recipiente, evitando a morte.
A situação em que se encontra o mercado de combustíveis e do gás de cozinha no Brasil assemelha-se ao sapo lentamente cozido do conto. É consenso entre os principais agentes do setor, de empresas a associações de classe, que a dependência da importação, a insegurança jurídica e regulatória, os gargalos logísticos e a ausência de investimentos em infraestrutura constroem um cenário preocupante para o setor de combustíveis brasileiro. A previsão de aumento da demanda em 20% na próxima década, maior que a oferta, potencializa essa preocupação.
A importação líquida de derivados de petróleo no Brasil atingiu mais de 500 mil barris de petróleo por dia (bpd), o que corresponde a 23,4% do consumo anual. Dentro do setor, o diesel apresenta grande importância em razão do seu uso no abastecimento de veículos pesados, que dominam o transporte de mercadorias, tanto por rodovias quanto por ferrovias. Com o atendimento de 44% da demanda, esse combustível tem números de importação parecidos com a média dos outros derivados, atingindo cerca de 24% do total consumido.
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Esses dados parecem contraditórios com o crescimento recente da produção e exportação de petróleo registrado no Brasil, mas são justamente um sintoma dos problemas existentes. Apesar do aumento registrado na produção e na exportação de petróleo, a importação de derivados continuará a aumentar nos próximos anos, por causa da ausência de investimentos em refino. As 17 refinarias atualmente em operação no Brasil têm capacidade de refino total de 2,4 milhões de bpd, tendo efetivamente realizado 1,7 milhão de bpd em 2017. Porém, desse montante, a Petrobrás foi responsável por mais de 98%, equivalentes à sua parcela em capacidade instalada.
Outro aspecto importante é a política de preços adotada. A paridade internacional, atingida em 2017, permitiu a diminuição da participação da Petrobrás e a diversificação da importação, reduzindo a parcela da empresa de 83,7% para 21,4% na gasolina e de 84,2% para 4,3% no diesel, entre 2015 e 2017. Essa nova dinâmica promoveu maior concorrência entre os importadores, Petrobrás e as distribuidoras. Ou seja, a meta de aumentar a competição e beneficiar o consumidor estava sendo alcançada.
É importante que se atente para a necessidade de abertura do mercado de refino para atrair investimentos no Brasil. A diferença entre o spread dado pelos custos logísticos para a exportação do óleo e a importação do derivado poderia ser incorporada nas margens de refino nacional. Sendo assim, é urgente concluir projetos paralisados, abrir o acesso às infraestruturas e simplificar a política tributária e a paridade internacional de preços.
As expectativas de criar uma agenda de vanguarda para o segmento de downstream no novo governo está presente e o mercado, ansioso para esse acontecimento. Não tenho dúvidas de que o setor de petróleo e gás natural poderá ser uma redenção econômica para o Brasil. Para isso, é preciso que o novo governo dê muita atenção e celeridade às suas ações criando estabilidade regulatória e segurança jurídica capaz de atrair grandes investimentos em toda a cadeia. No caso específico do downstream, o desafio maior será afastar de vez os fantasmas do congelamento, tabelamento e ressarcimento que ressurgiram na greve dos caminhoneiros, incluindo definitivamente o Brasil na Bacia do Atlântico como um grande agente importador e exportador. Feito isso, a Petrobrás deve desenhar um modelo de forma rápida e transparente para a venda de refinarias e da BR Distribuidora.
Caso não se reflita sobre este cenário, ficaremos como o sapo lentamente aquecido do conto, deixando o tempo passar até quando as saídas serão mais difíceis e complicadas.
Fonte: “Estadão”, 01/12/2018