O presidente Michel Temer comentou recentemente que ficaria “caceteado” se o Supremo Tribunal Federal decidisse que estava errado constitucionalmente ao ampliar as condições para a concessão do indulto de Natal.
Ele inovou em 2017 ao retirar do decreto a limitação do tempo de condenação para o preso recebê-lo. Essa limitação já foi de 6 anos e foi subindo, estava em 12 anos, aumentando, portanto, o alcance da medida. Agora, sem limites, todos os presos que cumpriram pelo menos 1/3 da pena – antes a exigência era de 2/3 – estão aptos a receberem o indulto presidencial.
O presidente Temer é um constitucionalista, e sabia até onde podia ir ao modificar o decreto, e já existe maioria de 6 a 2 a seu favor no STF. Mas o julgamento não terminou, porque o ministro Luis Fux pediu vista do processo.
Teoricamente, até que o julgamento seja concluído, os ministros podem mudar seus votos, por isso a maioria já colocada não tem efeitos práticos.
O fato é que há uma disputa no STF entre os que querem, baseados na leitura estrita da Constituição, dar poderes a Temer, inclusive para soltar políticos condenados por corrupção. E outros, até o momento minoritários, ampliando a leitura da Constituição, argumentam que está implícita a proibição do indulto para certos crimes.
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Utilizam o princípio da razoabilidade para decidir que o indulto não poderia ser usado como política pública de contraponto a restrições que a Constituição e a lei já fizeram para mais fortemente inibir e punir condutas como, além da improbidade administrativa, a corrupção, abuso do poder econômico, racismo ou terrorismo.
Quando o Supremo, através de uma liminar da então presidente Cármem Lúcia, e depois por uma ação do ministro Luis Roberto Barroso, proibiu que o indulto fosse concedido em certas situações, para os ministros favoráveis à autonomia completa do presidente da República, extrapolou suas funções, exercendo uma função privativa do presidente.
Os que consideram possível essa ação se baseiam no “controle da constitucionalidade”, que define a capacidade do poder do Judiciário de controlar atos do Executivo que contrariem princípios constitucionais como moralidade, probidade administrativa, razoabilidade, proporcionalidade.
O relator do caso, ministro Luis Roberto Barroso, escreveu um artigo no livro recém-lançado “Os Grandes Julgamentos da História”, coordenado pelo advogado José Roberto Castro Neves, sobre o caso Marbury contra Madison que, julgado em 1803 nos Estados Unidos, introduziu no mundo jurídico o entendimento de que o Poder Judiciário pode invalidar atos dos poderes Legislativo e Executivo que sejam contrários à Constituição.
São duas formas de encarar o problema.O perigo nessa discussão é afirmar que os que estão na posição de autonomia do presidente querem soltar os ladrões presos pela Lava Jato. Os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes protestaram contra essa insinuação/acusação, e a ministra Rosa Weber, embora tenha votado no mérito a favor do indulto nos termos de Temer, se disse constrangida com a proposta de votar separadamente a permanência da liminar enquanto o julgamento não terminar. A posição de manter a liminar também teve maioria, mas o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, pediu vista, suspendendo também a decisão já formada.
São disputas de conceitos, uns levam em conta a leitura estrita da Constituição, outros a interpretam com o espírito do momento. O próprio ministro Celso de Mello contou no julgamento que o então presidente Sarney decidiu tirar do indulto os crimes “contra a economia popular”, pois lutava para controlar a hiperinflação e queria dar o exemplo.
Quanto a saber quantos réus condenados por corrupção vão de fato sair a cadeia, o cálculo é de 22, a valer os critérios de 2017, sendo que 14 deles são delatores que já estão fora da cadeia, mas teriam benefícios. Os problemas são dois: passar a mensagem errada à opinião pública. Nos raros casos em que se consegue condenar um corrupto, ele passa alguns meses e sai livre, sem ter que pagar a multa e, muitas vezes, sem sequer ter devolvido o dinheiro.
O outro é que serão reintegrados à sociedade sem terem que sequer prestar penas alternativas à prisão.
Fonte: “O Globo”, 04/12/2018