Além de comprometer o equilíbrio fiscal no governo federal, o crescimento dos gastos com Previdência contribuiu para diminuir a capacidade dos estados de investir em serviços básicos para a população. Segundo dados do boletim sobre finanças dos estados, elaborado pelo Tesouro Nacional, o custo para cobrir o déficit previdenciário cresceu 26% entre 2015 e 2017, sem descontar a inflação, alcançando R$ 93,9 bilhões.
O avanço das despesas com Previdência foi quase cinco vezes superior ao crescimento dos gastos com educação, que aumentaram 5,4% no mesmo período, para R$ 112 bilhões. Em valores absolutos, houve um avanço de R$ 19 bilhões nos gastos com Previdência, contra R$ 6 bilhões nas despesas com educação. No mesmo período, os gastos com saúde cresceram 7,7% — ou R$ 7 bilhões — alcançando R$ 96 bilhões.
O tamanho do problema
A despesa dos estados com aposentadorias aumentou mais que os investimentos em serviços e infraestrutura
— O gasto com a Previdência hoje é a maior ameaça ao equilíbrio das contas dos estados. E com o equilíbrio comprometido, todos os demais gastos, como aqueles ligados à prestação de serviço ao cidadão, como saúde, educação, segurança, mobilidade, mas também o pagamento do funcionalismo, ficam seriamente deteriorados — afirma André Luiz Marques, do Insper.
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O déficit no sistema de aposentadorias e pensões dos estados aumentou nos últimos três anos. Em 2015, era de R$ 74,1 bilhões, saltando para R$ 82,2 bilhões no ano seguinte, até alcançar os quase R$ 94 bilhões do ano passado. O valor é mais que o triplo de todo o orçamento do Bolsa Família previsto para o ano que vem. Também é maior que os gastos com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), orçados em R$ 25,4 bilhões, e que os previstos para pagar o seguro-desemprego, R$ 40,6 bilhões.
Investimentos contidos
Segundo o economista José Roberto Afonso, pesquisador da Fundação Getulio Vargas (FGV) e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), como a arrecadação dos estados diminuiu, a parcela obrigatória que os entes da federação têm que destinar para saúde e educação também recuou, já que estes representam percentuais sobre a receita corrente líquida:
— Tem estado até gastando mais do que o obrigatório, porque o valor baixou com a recessão.
Os investimentos também ficaram comprometidos. O aumento do déficit da Previdência dos estados de 26% entre 2015 e 2017 representa seis vezes a dos investimentos, que avançaram 4,5% no mesmo período, para R$ 41,7 bilhões. O crescimento das despesas ajuda a explicar a dificuldade dos estados para investir. Mas esse não é o único fator:
— Os gastos com a folha de servidores ativos também cresceu no período, e muito, segundo levantamento do Tesouro. A recessão que afetou parte desse período debilitou receitas, além da estrutural decadência do ICMS e do FPE (Fundo de Participação dos Estados). Também o serviço da dívida continuou pesando, mesmo com as renegociações, porque o câmbio afetou o vencimento de empréstimos externos e, sobretudo, a dívida forçada junto a fornecedores e até servidores se tornou uma bola de neve crescente. São vários os fatores que acabam comprometendo a capacidade de investimento — afirma Afonso.
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Outro conjunto de dados, compilado por Marques, do Insper, mostra a evolução dos gastos com inativos e pensionistas nos estados sob outra ótica. Segundo o levantamento, entre 2006 e 2017, essas despesas dispararam 329%, para R$ 163,3 bilhões. O valor é muito maior do que o apurado pelo Tesouro porque não deduz o que os estados arrecadam com contribuições. O avanço é maior que a evolução da receita líquida, que registrou alta de 159% no mesmo período.
—O Brasil ainda é um país jovem e já tem esse déficit gigantesco, e parte dos servidores está perto de se aposentar. O gasto com pessoal no Rio subiu 100% de 2011 a 2017, incluindo inativos, que representam 20%. Na média dos estados, a alta foi de 31,58%. Aumentar 100% em seis anos não faz o menor sentido — afirma André Gamerman, economista da ARX Investimentos.
Alíquotas extras
O desequilíbrio da Previdência nos estados deve ser alvo da proposta a ser apresentada pelo governo federal, que ainda não está definida pela equipe de transição. Um dos textos na mesa foi elaborado pelo economista Paulo Tafner e pelo ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, que o apresentou. O documento prevê uma autorização para que estados possam criar alíquotas extras para equacionar o déficit previdenciário.
— (No nosso texto) policiais militares estão incluídos, o que não estava previsto na proposta original. Isso faz toda a diferença, porque os policiais militares representam, sozinhos, entre 30% e 40% do déficit previdenciário — explica Tafner.
Embora esteja em análise, a tendência é que a futura equipe econômica apresente uma proposta que reúna elementos de vários textos que estão sendo examinados pelo time do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes.
Para Afonso, da FGV, o importante é que a reforma proposta pela União seja um norte para a dos estados.
— Antes de tudo, o governo federal precisa dar exemplo. Hoje, ele não cobra dos seus servidores a mesma contribuição que exigiu e foi imposta no Rio de Janeiro, por exemplo. É preciso assegurar uma contribuição previdenciária adequada e necessária, com base em cálculos atuariais, cobrada por todos os governos que mantenham regime próprio, inclusive o federal. Não é preciso ser mais duro com algum governo, nem cabe dar exceção a qualquer outro — ressalta.
Fonte: “O Globo”