Há poucos dias foi publicado um livro com 21 propostas para baixar os juros e o convite para debater o tema. O esforço é meritório e o diagnóstico está correto. Uma redução das taxas expandiria o crédito e, consequentemente, induziria mais consumo e mais investimento, impulsionando o crescimento do País. Este artigo apresenta o que poderia ser a 22.ª proposta do esforço: a adoção de alguns princípios de livre mercado.
Desde que bem regulados e supervisionados, eles promovem a eficiência, deixando que preços e quantidades de bens e serviços sejam determinados livremente pela interação das ofertas e demandas de clientes e instituições. São aplicados com sucesso em mercados financeiros no exterior, garantindo taxas menores, reduzindo a inadimplência e propiciando lucros sustentáveis aos bancos e mais bem-estar a seus países. Poderiam ser adotados aqui.
O primeiro é dar mais transparência, um dos princípios mais importantes do livre mercado, à intermediação financeira. No Brasil as informações das taxas de juros não seguem um padrão uniforme, dificultando o entendimento dos clientes. Para o crédito geralmente se usa a taxa mês e para as aplicações, a taxa ano. Ilustrando o ponto, quando um gerente informa que a taxa é 6,5% se for para uma operação de crédito, a taxa anualizada é de 112,9%, portanto um valor é 18,1 vezes maior do que se fosse um investimento em que a taxa anunciada é sempre a anual.
Leia mais de Roberto Luis Troster
Efeito Orloff
“Um ambiente macroeconômico ruim encolhe horizontes”
Há mais distorções, porque nas aplicações se usa o critério de dias úteis, em média o mês tem 22, e para o crédito, dias corridos, que incluem os fins de semana. O razoável seria seguir uma medida só de tempo e de taxas para todas as operações. Facilitaria o entendimento e ajudaria os clientes a tomarem decisões mais aquilatadas.
Há mais imprecisões. Nas taxas de crédito, o valor é sistematicamente subestimado, porque o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) não é incluído e é descontado na concessão da operação, o que aumenta a taxa efetiva a ser paga. Nas aplicações financeiras, o imposto é deduzido, fazendo a taxa de aplicação ser sistematicamente sobre-estimada.
O ponto é que não é possível ter um entendimento correto de uma operação financeira sem saber fazer os cálculos de conversão de taxas e de tributos, que não são triviais e estão além da capacidade da grande maioria da população brasileira. A proposta de aprimoramento é de que seja divulgada apenas a taxa efetiva a ser paga ou recebida pelo cliente. Fazer o mesmo que o restante da economia faz, para que haja claridade dos valores.
Outra medida que melhoraria a transparência da intermediação seria a obrigatoriedade dos emprestadores de divulgarem as avaliações de riscos dos tomadores seguindo um mesmo padrão. Induziria os clientes a adotar atitudes para melhorarem suas notas de crédito. Funcionaria como uma educação financeira aplicada, algo semelhante ao que é feito em outros países.
A norma seria complementada com outra do livre mercado, que é a de preço único, que seria fixado livremente pela instituição financeira e teria de cobrar a mesma taxa de todos os clientes com avaliações de risco idênticas. Haveria também a obrigação de os bancos manterem as notas de crédito dadas em seus registros para a aferição da adequação do processo de precificação.
Atualmente, a carteira de risco de crédito de todos os bancos divulgada pela autoridade monetária apresenta distorções que se monitoradas adequadamente com a marcação original serviriam para aprimorar o processo de concessão de financiamentos pelas instituições financeiras e de supervisão prudencial e fiscal.
+ Gilberto Borça Jr. e Fabio Giambiagi: Novo contexto de inflação e taxas de juros no Brasil?
A Nota de Crédito do Banco Central poderia ser aperfeiçoada. As taxas divulgadas incluiriam o IOF e outros encargos embutidos nas operações, como a Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e o seguro cobrado na concessão em alguns casos, e excluiriam as operações à vista com cartões dos cálculos. Possibilitaria uma visão mais precisa da dinâmica do crédito.
A livre escolha do comprador é outro princípio que poderia ser adotado. As instituições de crédito ofereceriam todos os produtos com taxas ajustadas para os níveis de risco de cada um e o cliente poderia selecionar o que mais se adequasse à sua necessidade.
Há uma tendência de algumas instituições oferecem apenas as linhas mais caras e mais curtas. Ilustrando o ponto, as taxas de cheque especial são as mais altas para as pessoas físicas e as mais contratadas. O motivo é que, em alguns casos, a escolha é única, porque nem todas as linhas estão disponíveis para todos os tomadores.
Outro princípio do livre mercado é a estabilidade de condições. Atualmente, para alguns tomadores com dificuldades passageiras de caixa são oferecidas apenas linhas com taxas mais altas e prazos mais curtos do que os contratados originalmente. O razoável seria a oferta de condições de prazos e taxas similares às existentes. Dessa forma se evitaria que problemas temporários de liquidez de alguns se transformassem em insolvências.
Quanto mais bem aplicados os princípios do livre mercado, melhor. Dá aos consumidores condições de tomar decisões melhores. Ganhariam os bancos, com menos inadimplência, uma oferta maior de financiamentos, uma oportunidade para melhorar sua legitimidade; e ganharia o Brasil, com uma intermediação financeira mais eficiente e uma contribuição social maior.
Fica a sugestão de outras medidas, além desta e das outras 21 publicadas, como melhorar os mecanismos de transmissão da política monetária, acabar com a balcanização do mercado de crédito, eliminar a moeda remunerada, varrer o entulho inflacionário do sistema e diminuir a indexação excessiva de operações.
A 22.ª medida proposta neste artigo não necessita da aprovação do Congresso, nem do Banco Central, nem do Judiciário. Só depende dos bancos para ser implantada.
Fonte: “Estadão”, 11/12/2018