Por Pedro Ferreira e Renato Fragelli
Após passar pela mais profunda crise econômica de sua história, sem a qual a renda atual dos brasileiros seria ao menos 16% maior, o país encontra-se diante de uma oportunidade ímpar para retomar o crescimento. Mas os primeiros movimentos do novo governo sinalizam preocupante falta de foco.
A implantação das reformas econômicas de que o país precisa encontrará enorme resistência de grupos organizados que se beneficiam do status quo. Num Congresso fragmentado em trinta partidos, vencer a guerra que se anuncia exigirá estratégia, coordenação e persistência. O capital político para enfrentá-la é finito.
Bolsonaro recebeu de Temer um país que padece de um problema fiscal estrutural profundo, mas que no curto prazo encontra-se numa condição muito confortável. Inflação sob controle, juros em piso histórico, déficit em conta corrente baixo, elevadas reservas internacionais, e um nível de atividade que começa a reagir. Além de implantar mudanças importantes – Teto dos Gastos, fim da TJLP, reforma trabalhista, para citar apenas as principais -, Temer promoveu uma transição de governo republicana, tendo sua equipe preparado documentos detalhados sobre o que já foi aprovado, o que está em tramitação, e o que ainda se encontra em fase embrionária. Bolsonaro não poderá culpar seu predecessor por um eventual fracasso.
Apoiado em primeira hora por uma parte da população sensível a seu discurso religioso e sua agenda de costumes conservadora, Bolsonaro chegou ao poder após conquistar outros eleitores que nele enxergaram uma liderança capaz de atingir três grandes objetivos não dogmáticos: restabelecer a segurança pública, eliminar (tanto quanto possível) a corrupção, e retomar o crescimento econômico sustentável. Seria um erro abrir frentes de combate não prioritárias que consumiriam capital político desnecessariamente.
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País com baixa taxa de poupança e que, por séculos, subestimou a importância da educação, o Brasil está longe de ter vantagem comparativa em todos os setores industriais. Mas o país é uma potência agrícola e mineral que, num planeta com 7 bilhões de habitantes, precisará se alimentar. A agricultura é o setor nacional mais vulnerável às mudanças climáticas, pois tende a ser abalada por secas imprevisíveis. A eventual retirada do país do tratado climático de Paris seria, portanto, prejudicial à oferta agrícola no longo prazo. Mas é na demanda que o impacto seria ainda maior, além de sentido já no curto prazo, devido à retaliação de países importadores fieis ao tratado.
No ensino, não se dever perder tempo discutindo as cores das roupas de meninos e meninas, mas sim a adequação do currículo escolar à formação dos trabalhadores que precisarão atuar no ambiente de contínua e acelerada mudança tecnológica do século XXI. A educação brasileira é de baixa qualidade – os alunos permanecem na escola e pouco aprendem – e questões ideológicas à esquerda ou à direita são distrações menores do que é realmente fundamental.
Em que a instalação de uma base militar americana beneficiaria o Brasil? Em 1942, quando Getulio Vargas aceitou a implantação da base militar de Natal, o país recebeu em troca apoio à implantação da siderúrgica de Volta Redonda. O que os EUA de hoje, focado no próprio umbigo, teria a oferecer? A iniciativa é ainda mais estapafúrdia pois seria vista pelos opositores do partido Democrata como apoio ao atual presidente Republicano, um nítido desequilibrado que será expelido do poder em dois anos.
A mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém é outro exemplo de tolice. O brasileiro típico só ouviu falar de Jerusalém nas homilias dominicais na igreja. Para muitos, a palavra Tel Aviv poderia denominar um time de futebol. O país nada tem a ganhar ao mover de cidade a sede de sua embaixada em Israel. Mas tem a perder, pois a medida suscitaria uma reação de grandes países importadores de proteína animal do Oriente Médio. E romperia um equilíbrio diplomático que há décadas temos mantido em uma região de conflitos agudos.
A distribuição de poder no mundo passa por rápida mutação. A ascensão da China já incomoda a grande potência americana, enquanto as divisões internas da Europa – cujo PIB e população superam os do EUA – a mantêm crescentemente fora do grande jogo. Nessa briga de cachorro grande, uma das vantagens comparativas do Brasil, na atração de investimentos estrangeiros, reside no fato de que, neste Extremo Ocidente, não há conflitos religiosos internos nem inimigos do lado de lá das fronteiras. Um país capitalista democrático, onde impera o estado de direito, oferece ao investidor externo o ambiente institucional mais seguro para seus empreendimentos. Por que mexer nessa área? Hostilizar a China em nome de um combate ao “globalismo” – conceito meio estapafúrdio que acadêmicos sérios têm certa dificuldade em entender – é dar a meia dúzia de templários de direita a direção de nossa política externa, e implica entrar em um conflito sobre o qual não teremos qualquer influência nem nada a ganhar.
Em 2003, Lula soube usar a política externa para distrair seus apoiadores de primeira hora. Enquanto adulava Fidel Castro e elogiava o bolivarianismo, Palocci e Meirelles aplicavam o receituário ortodoxo – o único que funciona – para enfrentar a pressão inflacionária criada pela fuga de capitais de 2002. Era necessário e funcionou na época. Bolsonaro não precisa disso.
Obter uma vitória significativa na frente econômica, com a aprovação da reforma da previdência, já no primeiro semestre de governo, deveria ser o foco neste momento. Dispersar capital político em frentes inúteis é um mau começo.
Fonte: “Valor Econômico”, 17/01/2019