O conveniente silêncio da turma nos últimos tempos poderia fazer alguns se esquecerem da seita autodenominada “neodesenvolvimentista”, que jurava resolver os problemas do Brasil com o alinhamento de “dois dos preços fundamentais” da economia: a taxa de juros e a taxa de câmbio.
Em particular, no fim de 2017, garantiam que, com uma taxa de câmbio entre R$ 3,80 e R$ 4,00, a indústria se recuperaria e, com ela, o país.
Desde então o dólar subiu de R$ 3,30 para acima de R$ 4,00 e flutuou durante todo o segundo semestre do ano ao redor de R$ 3,80, enquanto a taxa básica de juros foi reduzida ao menor valor da história.
Ajustado à diferença entre a inflação nacional e a americana, o dólar se valorizou em cerca de 15% na segunda metade do ano passado em relação à primeira e 20% na comparação com o mesmo período de 2017.
Apesar disso, a indústria, que vinha em firme trajetória de recuperação do fim de 2016 ao começo de 2018, passou a andar de lado, se não para baixo, e deve ter crescido no ano passado menos do que em 2017.
Não por acaso, acredito, cessaram as juras sobre a “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, que nos levaria ao nirvana, talvez na expectativa de que a combinação de silêncio e falta de memória pudesse lavar as reputações dos sectários. A má notícia, para eles, é que há alguns de nós prestando atenção.
Em parte o erro grotesco decorre da falta de cuidado com as estimativas da suposta “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, de cujas bases precárias tratei neste espaço há alguns meses.
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Em bom português, trata-se de um número chutado, que, aliás, sobe cada vez que a taxa observada de câmbio se aproxima do suposto ideal.
O erro mais grave, porém, decorre da visão de que o governo conseguiria controlar a taxa real de câmbio, isto é, o valor ajustado à inflação sem alterar condições econômicas concretas, em particular a taxa de poupança da sociedade.
Em países de poupança elevada (portanto, baixo consumo), a produção tipicamente supera por larga margem o volume destinado ao mercado doméstico, o que gera excedentes exportáveis e, como consequência, taxas de câmbio mais desvalorizadas do que em países de consumo elevado, bem como crescimento mais vigoroso.
Em outras palavras, é a poupança mais elevada que leva, ao mesmo tempo, a mais crescimento e câmbio mais fraco.
Quem ignora esse fenômeno cai no conto do dólar mais forte e crescimento mais rápido, como os adeptos da seita “neodesenvolvimentista”.
Há ampla literatura sobre as causas do crescimento sustentado apontando para fatores como a qualidade das instituições, o papel da educação na formação do capital humano e a abertura comercial como fator de difusão de novas tecnologias. Nada sugere que crescimento é resultado do ato do príncipe sobre as taxas de câmbio.
Como todo problema complexo, há uma solução simples e errada, em que apenas os picaretas acreditam.
Oded Grajew volta a insistir na idade média ao morrer como critério para determinar a idade de aposentadoria, em vez da expectativa de vida.
Desenhando: num berçário, a idade média ao morrer mede-se em dias, mas a expectativa de vida é superior a 75 anos; a idade média de morte na coorte dos 20 aos 30 anos deve ficar ao redor de 25 anos, mas a expectativa de vida atinge 77 anos.
Os bons creem que suas puras intenções os eximem de rigor na análise. E assim pavimentam os caminhos do inferno…
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 23/01/2019