A catástrofe decorrente do rompimento da barragem da Vale no município de Brumadinho, que todos lamentamos, tem levado grande parte da opinião pública, do Ministério Público, do Judiciário e da imprensa a condenar a empresa pelo que aconteceu. Exige-se punição exemplar de supostos culpados. A Justiça bloqueou quase R$ 12 bilhões da empresa antes de qualquer perícia.
Entre as conquistas mais importantes da civilização, impulsionadas pelas ideias do Iluminismo, estão as de que ninguém está acima da lei e de que todos terão direito a um julgamento justo e imparcial, baseado em provas colhidas de forma correta e independente. Ninguém poderá ser condenado em julgamentos sumários nem por desagradar os poderosos, como acontecia na era das trevas.
Reis podiam condenar à forca ou a morrer na fogueira os dissidentes ou os que cometessem ofensas consideradas como tais por nobres e monarcas. O rei da Inglaterra possuía um tribunal exclusivo para julgar as causas em que era parte, a Star Chamber. Tudo isso começou a mudar no século XVII, notadamente a partir da Revolução Gloriosa inglesa de 1688, pela qual a supremacia do poder foi transferida do rei para o Parlamento. O monarca perdeu o poder de demitir juízes. O Judiciário tornou-se independente.
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Não se pode absolver a priori a empresa e seus dirigentes de negligência no monitoramento dos riscos de desabamento de suas barreiras. Tampouco se pode admitir, como está ocorrendo agora, inclusive nas redes sociais, que todos têm necessariamente culpa. É preciso averiguar as causas do desastre, realizar perícias e conduzir processos com isenção e eficácia. Só depois se pode culpar ou absolver.
A onda condenatória se espalhou país afora. Figuras públicas de quem se espera prudência e comedimento, exigiram a substituição da diretoria da empresa. O senador Renan Calheiros, de forma oportunista, pregou a medida nas redes sociais. O vice-presidente Hamilton Mourão anunciou que o governo examinava a medida. Depois, se desdisse. Seria melhor ter novatos à frente da empresa neste momento? Claro que não.
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O governo, os parlamentares, os procuradores, os juízes e a imprensa não podem arvorar-se em paladinos dos que perderam entes queridos e patrimônio. Eles são merecedores da solidariedade e de adequado e suficiente reparo pelos danos, efetivos e morais. É preciso, todavia, evitar a sofreguidão e o populismo, bem como aguardar o andamento dos processos e o sereno julgamento da Justiça, que precisam ser rápidos e justos. Antes disso, condenar a Vale equivale a um retorno aos tempos medievais.
Fonte: “Veja”, 29/01/2019