A tragédia de Brumadinho oferece ao Brasil uma oportunidade para aperfeiçoar seus mecanismos de controle e prevenção de riscos. As investigações têm a obrigação de esclarecer a quem cabe a responsabilidade pela maior perda de vidas humanas num desastre ambiental no Brasil – até o final do resgate, os mortos deverão passar de 300. A Justiça, a de punir os responsáveis.
A Vale perdeu num só dia quase um quarto de seu valor. Em entrevista, o presidente da empresa, Fabio Schvartsman, anunciou que reduzirá em 10% a produção de ferro e gastará R$ 5 bilhões para acabar com barragens erguidas com a mesma técnica – mais barata e menos segura – usada em Brumadinho.
A Justiça congelou R$ 11 bilhões em ativos da Vale e mandou prender, para investigações, três engenheiros e dois executivos responsáveis pelo laudo que atestava a segurança da barragem no final do ano passado.
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Tais medidas, tomadas no calor dos acontecimentos, podem resultar numa atitude distinta da impunidade que costuma prevalecer no Brasil em casos semelhantes. Nenhuma delas, porém, esclarece as dúvidas que ainda persistem sobre o episódio.
Elas se distribuem em três camadas distintas: 1) a lei e a estrutura de incentivos criada para a atuação de mineradoras como a Vale; 2) a qualidade, a extensão e os critérios usados no monitoramento de riscos pelas autoridades; 3) a ação preventiva e a negligência das empresas e, especificamente, dos executivos e engenheiros responsáveis pela segurança das barragens.
Eis as principais questões levantadas pela tragédia que ainda permanecem sem resposta:
Por que, três anos depois da tragédia de Mariana, a Vale ainda não havia desativado as barragens menos seguras – atividade que, segundo Schvastsman, levará mais três anos?
Não há dúvida, diante do que declarou o próprio Schvartsman, de que a empresa foi negligente. Quais as punições previstas para puni-la? Quais serão aplicadas, tanto civil quanto criminalmente?
A Agência Nacional de Águas (ANA) afirmava em relatório do ano passado que 56 das 175 barragens operadas pela Vale poderiam causar altos danos ambientais, mas nenhuma delas oferecia risco alto de rompimento. A empresa anunciou que fechará 29. Quantas e quais são, afinal, as barragens que oferecem risco?
O mesmo relatório da ANA aponta alto risco de rompimento em 1.124 das 24.092 barragens registradas no Brasil. Qual o critério usado para apontar tais riscos?
Por que nem Brumadinho nem nenhuma das demais barragens da Vale estava entre as barragens com risco de rompimento? Levando em conta a tragédia, qual o risco real nas barragens brasileiras?
Por que apenas 3% das barragens haviam sido fiscalizadas pela ANA? Por que há apenas 35 fiscais para monitorar 24.092 barragens?
Qual o critério usado pelos engenheiros da Vale e da empresa Tüv Süd para garantir, em duas avaliações, a segurança da barragem de Brumadinho? Em que medida ele difere do exigido pela lei e monitorado pelas autoridades?
Qual a justificativa do governo de Minas Gerais para reduzir, no final de 2017, as exigências para o licenciamento ambiental de barragens como Brumadinho?
Que incentivos a lei brasileira cria para empresas como a Vale coibirem riscos?
A burocracia é excessiva, como costumam afirmar as empresas? Ou apenas ineficaz?
O problema está nas normas ou em quem as aplica? Que punições existem e já foram adotadas? São adequadas ou devem ser endurecidas para evitar novas tragédias?
É correto, como sugere o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deixar a cargo das próprias empresas a maior parte da regulação ambiental?
Quais as condições mínimas para regulação e fiscalização eficazes? Como implementá-las? Quem deve pagar por elas? O contribuinte ou as próprias empresas?
O Brasil não pode ficar mais uma vez sem respostas.
Fonte: “G1”, 30/01/2019