A eleição de Bolsonaro e a ascensão de políticos de extrema direita na Europa e EUA (Trump, a vitória do brexit, Orban na Hungria, Salvini na Itália) têm algo a ver. Todos refletem um movimento que é ao mesmo tempo uma guinada conservadora, nacionalista na política externa e a rejeição das elites e do “sistema”: classe política tradicional, universidade, mídia.
Ao mesmo tempo, guardam uma diferença importante no plano econômico: Bolsonaro se elegeu abraçando a bandeira do liberalismo econômico, doutrina rejeitada pelas suas contrapartes no “mundo desenvolvido”, que a veem como contrária à soberania nacional e ao bem-estar dos trabalhadores. A diferença faz sentido. Apesar das semelhanças, vivemos momentos diferentes.
Nos EUA e na Europa, economias já globalizadas, as elites ficaram cada vez mais ricas nas últimas décadas. Já a classe trabalhadora viu sua renda estagnar e o futuro de seus filhos ficar mais incerto. Ela é, em termos relativos, a perdedora da globalização, pois agora concorre com milhões de trabalhadores pobres na Ásia e na América Latina (e, em breve, na África).
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É importante lembrar que não foram só as elites que ganharam nesse processo: centenas de milhões de trabalhadores pobres do mundo em desenvolvimento, especialmente na Ásia, deixaram a miséria rural e, graças ao aumento de renda, hoje têm acesso a bens e serviços modernos.
O chinês que hoje tem carro e smartphone em vez de passar fome no arrozal, contudo, não vota nas eleições europeias e americanas. Politicamente, portanto, temos um problema, para o qual duas possíveis soluções se apresentam. Ou o país se fecha numa tentativa de reverter a globalização (a saída nacionalista) ou aposta na distribuição de renda para repartir melhor internamente os ganhos da globalização.
O Brasil, por outro lado, é um país fechado. Exportações e importações são uma fração irrisória de nossa renda. Nunca auferimos os ganhos da globalização. Para a equipe econômica do governo, o mundo apresenta oportunidades de negócios. A agenda clama, portanto, por mais abertura. Já os nacionalistas no governo (especialmente o chanceler) querem colocar a agenda política de alinhamento com o Departamento de Estado americano acima de nossos interesses econômicos, sacrificando já de partida nossa relação com China e países árabes.
No plano do discurso, tenta-se criar a diferença entre globalização (integração econômica: boa) e globalismo (integração política: má). Só que ambos caminham juntos, e portanto o conflito persiste.
A visão nacionalista e a liberal são inconciliáveis. Para a primeira, o bem do Brasil está em oposição aos demais países. Entrar em acordo com eles é ceder a própria soberania. Nas relações econômicas, ou nós ganharemos à custa deles ou vice-versa. Na visão liberal, o bem do Brasil está em harmonia com as outras nações. Todos os lados ganham ao aprofundarem seus laços econômicos, e para que isso seja possível é necessário criar regras e acordos internacionais que contem com adesão geral.
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No primeiro embate, o nacionalismo ganhou fácil, pois tinha a seu lado o interesse de setores empresariais. Os produtores de leite falaram mais alto que Paulo Guedes, e o presidente aumentou as taxas para a importação de leite em pó. O caminho para o nacionalismo encontra menos resistência. Se for isso mesmo, sob o manto do populismo antissistema, o governo estará a serviço das velhas elites empresariais que no passado apoiaram a agenda de Dilma.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 19/02/2019