Passados menos de 50 dias desde o início do ano, está absolutamente claro que 2019 não será dos mais fáceis. O novo governo, ainda oficialmente no período de “lua de mel” com o mercado e com o Congresso Nacional, já mostra seus primeiros sinais de desgaste. A começar pelo caso COAF que envolve Flávio Bolsonaro e suas dezenas de movimentações financeiras atípicas e suspeitas. Depois, mais recentemente, o caso das candidaturas de fachada do PSL que envolvem tanto o Ministro do Turismo, Álvaro Antônio, quanto o Ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Soma-se a isso um corpo ministerial de capacidade muito duvidosa, com pouca ou quase nenhuma experiência executiva, parecendo mais o pagamento de uma “dívida moral” do Presidente da República para com os militares do que uma escolha racional, técnica e criteriosa. Alguns analistas já começam a perder um pouco do sentimento otimista que era evidente nas primeiras semanas do ano.
Se o governo não se organizar para rapidamente começar a executar a agenda reformista que o país tanto demanda, algumas variáveis econômicas não sairão do patamar deplorável em que se encontram. Do lado da taxa SELIC, o BACEN parece ter chegado ao piso viável diante de uma inflação que ainda não demonstra estar totalmente controlada. Desemprego e renda não melhorarão sem um crescimento econômico sustentável e a falta de confiança por parte dos investidores estrangeiros não permitirá uma retomada no investimento, especialmente nas grandes obras de infraestrutura que o país tanto precisa para reduzir o “custo-Brasil” e recuperar sua competitividade.
São tantas as reformas necessárias que talvez fosse mais fácil recomeçar a República a partir do zero. Porém, como isso é uma utopia, melhor não nos perdermos em devaneios e começarmos logo a rever os projetos e aprovarmos as propostas. Sem a menor hesitação, o principal desafio para o país é o ajuste fiscal, e nesse contexto a reforma da Previdência é sim a mais urgente. Se o novo modelo previdenciário não for aprovado até meados de 2019, começaremos a sentir os impactos do nosso déficit fiscal descontrolado a partir do início de 2021, com um endividamento insustentável do governo federal, aumento nos juros, possível novo rebaixamento do nosso rating de crédito, redução ainda maior no investimento e o consequente aumento no desemprego. Governos estaduais e municipais não se sustentarão sem o socorro vindo de Brasília. Dessa forma, a proposta que será oficialmente anunciada nas próximas semanas e independentemente da “drenagem” que sofrerá durante o trâmite até a sua aprovação final, deverá obrigatoriamente gerar uma economia de 1 trilhão de reais ao longo dos próximos 10 anos e deverá ter como pilares a mudança do regime de repartição para o regime de capitalização, a equiparação entre as aposentadorias públicas e privadas e a instituição de uma idade mínima para homens e mulheres.
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Outras grandes reformas que deveriam ser votadas ainda neste primeiro ano do novo governo são a reforma política, a reforma tributária e a segunda rodada de uma reforma trabalhista. A reforma política é vital para sofisticarmos nosso modelo de representatividade, para combatermos o clientelismo e para dificultarmos a prática da corrupção. Hoje nosso sistema político torna a sociedade refém de uma classe de burocratas que criam “dificuldades” para permitir a venda de “facilidades”, usando o Estado para fins pessoais. No caso da Reforma Tributária, precisamos de um novo modelo que acabe com a insegurança jurídica que permeia essa área, que facilite a arrecadação federal e que elimine aberrações tais como a guerra fiscal entre os estados e os impostos em cascata. Adicionalmente, faz-se necessária ainda a segunda rodada de uma Reforma Trabalhista, pois as mudanças na CLT aprovadas em 2017 atacaram apenas o problema da excessiva judicialização das relações entre empregados e empregadores, mas não foram suficientes para estimular a geração de empregos, que continua sendo a variável econômica mais vulnerável nesse momento.
Por fim, o país requer ainda uma série de ajustes pontuais que, em conjunto, permitirão a retomada do crescimento sustentável. No que tange ao comércio internacional, ainda somos uma das economias mais fechadas do mundo e um processo de abertura comercial será salutar para uma melhor inserção do país como grande potência do comércio internacional. No caso do financiamento público subsidiado, tanto os BNDES quanto os bancos estaduais de fomento terão de mudar sua atuação e passar a apoiar os agentes econômicos que realmente não têm acesso ao sistema de crédito (micro e pequenas empresas, especialmente), deixando de subsidiar grandes empresas que já contam com outros subsídios governamentais e inúmeras desonerações. Na arena das agências reguladoras, o foco deve deixar de ser o controle de preços e deve passar a ser a segurança jurídica dos contratos e o acompanhamento da execução dos projetos. Destaco ainda a importância de um processo de desburocratização da máquina pública e redução nas barreiras ao empreendimento privado (ainda ocupamos uma posição vergonhosa no ranking do Banco Mundial sobre a facilidade de se fazer negócios), a necessidade de um amplo e radical programa de privatizações (onde o Estado passará a ocupar-se somente dos interesses predominantemente coletivos), a continuidade das ações de combate à corrupção e, finalmente, uma mudança na maneira de concebermos o Orçamento Público, diminuindo o alcance da indexação na economia e procurando, gradativamente, instituir o Orçamento Base-Zero, onde se pensa nas necessidades dos desembolsos públicos ano a ano e não apenas se reajustam os valores dos repasses sem necessariamente ver a adequação dos gastos. A execução do conjunto das medidas mencionadas acima configuraria uma contundente guinada liberal para a economia, com um Estado menor, mais eficiente e com potencial de trazer o progresso social que tanto almejamos.
Fonte: Revista VOTO, 25/02/2018