Não poderia ter sido mais decepcionante a resposta dada a tal pergunta pela professora Diane Coyle (Cambridge), em artigo, com título idêntico, no Valor da lua cheia (19/2). Até começou bem, ao constatar o já amplo consenso de que o PIB “deixou de ser medida útil do progresso da economia”. Mas, a partir daí, só classificou as origens teóricas de quatro possíveis saídas, sem nem dizer qual delas seria a melhor e/ou qual teria mais chances de suceder o PIB. Em vez disso, contentou-se em vaticinar que ainda “há um longo caminho a percorrer até que outro indicador composto seja coroado em seu lugar”.
É inacreditável que Coyle tenha ignorado a proposta mais avançada e pragmática para a superação do PIB (ou “sucessão”, como prefere). A que certamente emergirá do seguinte tripé: 1- uma nova contabilidade nacional, centrada na renda e no consumo (em vez de produto); 2- a incorporação das avaliações subjetivas de bem-estar entre as dimensões de um novo índice sintético de qualidade de vida; e 3- a escolha de alguns poucos indicadores para medir a sustentabilidade, mas que sejam físicos, em vez de monetários.
No tocante à primeira perna – a mais voltada ao desempenho econômico propriamente dito – há ao menos outras quatro diretrizes: considerar renda e consumo em conjunção com a riqueza; enfatizar a chamada “perspectiva domiciliar”; realçar a ‘distribuição’ (de renda, de consumo e de riqueza); e estender as medidas de renda às atividades não mercantis.
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De forma quase telegráfica, é esta a essência do recado proposto, em 2010, pelo livro “Mismeasuring our lives” (The New Press), que consolidou o relatório final da célebre Comissão Stiglitz-Sen-Fitoussi (SSF).
Por quase um decênio, tais mensagens parecem ter sido solenemente desprezadas pelas grandes organizações internacionais mais envolvidas e desafiadas a ir além do PIB: o FMI, o Banco Mundial (Bird) e a Divisão Estatística da ONU (UNSD). Porém, a ótima notícia é que, há poucos meses, coube à OCDE fazer avançar a receita Stiglitz-Sen-Fitoussi com quinze recomendações suplementares, todas no sentido de orientar os órgãos nacionais de estatísticas a se engajarem no hercúleo trabalho exigido pelas substituições do PIB e do IDH por trindade que também inclua avaliação da sustentabilidade.
São quinze diretrizes em favor de painéis de indicadores sobre o que realmente importa: quem é beneficiado pelo crescimento; se tal crescimento é ambientalmente sustentável; como as pessoas avaliam as próprias vidas; e quais fatores mais contribuem para o sucesso de um indivíduo ou de um país.
Tudo está minuciosamente explicado em dois livros – “Beyond GDP” e “For Good Measure” – que reúnem os resultados de cinco anos de trabalho de um grupo de experts independentes coordenado por notável trio, no qual a estatística-chefe da OCDE – Martine Durand – se juntou à dupla Stiglitz-Fitoussi. Entre os demais membros deste ‘Grupo de alto nível sobre a mensuração do desempenho econômico e do progresso social’ (‘HLEG’) estão, por exemplo: Angus Deaton, Alan B. Krieger e Thomas Piketty.
As duas obras do ‘HLEG’ também iluminam grave lacuna dos dezessete Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030. Afinal, os ODS deveriam ter sido articulados pela abrangente ambição de se buscar “alta e próspera qualidade de vida, equitativamente partilhada e sustentável”, como haviam proposto o ICSU (International Council for Science) e o ISSC (International Social Science Council), ao revisarem a última versão, adotada sem alterações pela Assembleia Geral da ONU, em setembro de 2015. Se tal sugestão tivesse sido acolhida, ao menos algum dos objetivos atenderia à inadiável necessidade de se aposentar o PIB, em vez de serem todos complacentes com tão “Deplorável inércia”, título de artigo em dossiê sobre indicadores de sustentabilidade na revista Ciência e Cultura: 71(1):27-33.
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É pena, mas tamanha deficiência impõe o temor de que, em 2030, o mundo esteja longe de alcançar boa parte dos ODS. E não poderia haver indício mais forte do que os primeiros resultados da modelagem global levada a cabo pelo professor norueguês Jorgen Randers, com ajuda de pesquisadores do Stockholm Resilience Centre (SRC). Com o propósito de avaliar – à luz dos ODS – as nove ‘fronteiras ecológicas’ planetárias identificadas pelo SRC desde 2009.
No melhor dos cenários – em que o mundo realmente se esforça para atingir os objetivos – as projeções até indicam alguma razão para otimismo: freio na séria degradação ambiental que tem prevalecido ao longo da ‘Grande Aceleração’, iniciada em meados do século XX. Mesmo assim, redobrado empenho em levar à prática a Agenda 2030 trará, quando muito, a conquista de 12 dos 17 ODS.
Muito mais sobre tantas e tão dramáticas incertezas emanará da “Conversa sobre o Sistêmico e o Complexo”, promovida pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA/USP) na tarde do 13 de março: www.iea.usp.br/eventos/sistemico-e-o-complexo
Fonte: “Valor Econômico”, 27/02/2019