No meio do caos político que o governo Bolsonaro promete ser, começam a aparecer apostas em queda de juros pelo Banco Central. O argumento ganhou fôlego depois de um segundo ano de crescimento parco, com alta repedida de apenas 1,1%, e uma sinalização igualmente ruim para 2019, com o PIB não passando muito os 2% de alta. Com recuperação tão lenta, essa é, de fato, a pior saída de recessão de nossa história.
Vale sempre relembrar que também essa recessão foi atípica, com instrumentos usuais de saída, como as políticas monetária e fiscal, sem poderem ser usadas. Isso explica muito a lentidão da recuperação que nos encontramos. E coloca um aviso no que poderá ser a próxima recessão no mundo que também está com suas políticas monetária e fiscal impossibilitadas de ação (alto déficit público, baixos juros e excesso de quantitative easing).
Por conta dessa saída muito lenta, nada mais natural que se pense em quedas adicionais de juros para estimular a economia. Afinal, a taxa real de juros segue relativamente elevada, em que pese estar abaixo de níveis históricos. Haveria espaço para uma queda de Selic para 5,5% num cenário de inflação a 4% sem prejudicar o cenário inflacionário.
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Mas há inúmeras dúvidas para esse passo mais ousado do BC agora ou mesmo no próximo ano. Primeiro, o fato mais relevante segue sendo a incerteza sobre a reforma da previdência. Está cada vez mais claro que o processo será lento e se tudo der certo a aprovação em primeira votação na Câmara seria apenas no final deste semestre. A incerteza política sobre a reforma coloca dúvidas também sobre a qualidade da mesma. Se caminharmos para uma solução ruim, com aprovação de uma reforma fraca, a leitura que o mercado fará é que o próximo presidente terá que fazer outra reforma. Esse limbo previdenciário em que o Congresso e o Executivo nos jogariam teria o papel de manter os juros elevados com um perfil fiscal ainda ruim no caso de uma reforma fraca. Nesse cenário, melhor o BC esperar para decidir.
Mas suponha que seja aprovada uma boa reforma, com uma economia podendo chegar a R$ 800 bilhões. Nesse caso, a primeira reação do mercado será muito positiva, com queda forte na taxa de câmbio, ajudando a manter a inflação de preços livres sob controle. Essa queda, entretanto, seria temporária, pois as condições de governabilidade parecem que seguirão difíceis, trazendo riscos para a aprovação de outras reformas. O capital político do governo parece que se perderá de forma relevante com essa reforma. Sinal disso foi a pesquisa CNT/MDA de aprovação do governo, que mostrou um número muito baixo para início de mandato, semelhante ao que a Dilma tinha em 2013 e 2014, anos já difíceis para a ex-presidente. Sem outras reformas, especialmente a tributária, o mercado tenderá a permanecer sob algum stress.
Além disso, o cenário internacional não ajudará. O mercado tende a ser avesso ao risco no caso de emergentes quando ocorre crise nos países desenvolvidos. A tendência seria de pressão de depreciação se o cenário americano seguir deteriorado até 2020, como parece ser o caso. Não é sinal de forte depreciação, pois haveria a compensação de aprovação de uma boa reforma. Mas uma má reforma com crise externa seria o pior dos mundos para o câmbio, matando qualquer chance de queda de juros agora. O cenário é diferente de 2008 quando a crise externa não impedia o BC de ser mais flexível com os juros porque a situação fiscal era muito melhor do que hoje. E mesmo então o BC levou certo tempo para decidir por baixar a Selic.
Uma questão igualmente fundamental seja também de longo prazo. A inflação brasileira segue muito resiliente, mesmo com o longo período recessivo que tivemos. Nos melhores momentos chegamos a 3%, quando era natural ver nesses casos uma deflação. Este ano, com crescimento fraco de 2%, a inflação deverá ficar pouco abaixo de 4% apenas. Ao mesmo tempo, o BC tem baixado a meta, chegando a 4% para 2020. Se continuar nessa trajetória, deveríamos ver a meta em 3% nos próximos anos. Mas a conjunção de meta mais baixa demandará do BC um esforço adicional de juros para reforçar esse novo patamar de inflação, especialmente em uma retomada mais vigorosa da economia.
Vejam os dilemas para o BC: uma boa reforma reforçaria o crescimento para os próximos anos, pressionando a inflação e fazendo com que o BC tenha dificuldade em manter a inflação em uma meta mais baixa; uma má reforma ou não aprovação seguirá por si só mantendo a Selic elevada, mesmo com o baixo crescimento mantendo a inflação igualmente baixa.
Por isso, seria melhor um período mais longo de Selic no atual patamar de 6,5% tendo esse foco de longo prazo de uma meta de inflação menor. Especialmente em um momento em que a conjuntura de curto prazo também não parece muito favorável para baixa de juros.
Fonte: “Exame”, 11/03/2019