A Finlândia não faz mais censos como estamos acostumados. Não sai mais perguntando aos cidadãos seus dados. Agora fazem um censo eletrônico. Juntam todos os dados que existem nas múltiplas bases de dados do governo (e, talvez, privadas) e chegam a todos os cidadãos e acabam sabendo mais sobre eles do que eles, talvez, gostassem que o estado soubesse.
Razão alegada: muito mais barato. Já se discute se o censo de 2010 será o último censo de gastar-sola-de-sapato que os Estados Unidos farão.
Outro dia vendi meu carro. Afora as burocracias usuais, precisei registrar minha assinatura num cartório. Havia em cima da mesa do funcionário um mouse de modelo que eu nunca tinha visto. No processo o funcionário pegou minha mão e encostou meus dois polegares no mouse-que-não-era-mouse. Era um leitor de digitais.
Deixei minhas digitais em mais um lugar, ou não registrava minha assinatura, ergo, não podia vender meu carro.
A Justiça Eleitoral brasileira vai testar, já nas eleições de 2010, em alguns obscuros municípios, os novos títulos eleitorais com dados biométricos. Passaportes já são emitidos com dados biométricos, legíveis em quase todos os serviços de imigração do mundo.
Cada dia que entro num prédio comercial em São Paulo ou no Rio de Janeiro (cidades que mais frequento, além de Brasília) apanham o número de minha carteira de identidade. Para ter desconto nos remédios que a idade e suas consequências me obrigam a tomar, querem saber meu CPF, bem como para comprar livros pela internet.
Você já pensou, meu caro leitor, em quantos lugares você deixa rastros e pistas de sua passagem? E do que você faz, lê, tem interesse em?
Poucos de nós, provavelmente, teríamos os meios tecnológicos e o tempo para organizar todas essas informações de uma maneira coerente, mas o estado tem. E faz. Cada vez mais.
Voltando às minhas visitas a prédios comerciais, com frequência pedem-me meu número de telefone. Digo que não tenho (evito entrar em discussões libertárias com funcionários que estão apenas tentando ganhar sua vida). Olham-me como seu eu fosse de outro planeta. O mesmo em hotéis a respeito de cartões de crédito. Quando digo que não uso vem a mesma interrogação e o mesmo olhar enviezado para “esse tipo suspeito que não usa cartões de crédito”.
Meu caro leitor: você já parou para pensar em quantos lugares você deixa pistas, em quantas câmeras de segurança você fica registrado sem saber, que filmes você aluga ou baixa na internet? E mais, tudo o que você faz na internet alguém sabe. E alguém, em algum lugar que você ignora, tem o tempo, a disposição e a tecnologia para juntar essas coisas todas e fazer um “retrato” seu, de suas preferências, desejos e excentricidades?
Pois é, caro leitor ou leitora: você está nu, como o imperador do conto. Por quê? Apenas porque você vive no mundo moderno.
Que maravilha, a Amazon saber meus gostos de leitura. Cada livro que compro lá fica registrado e seus computadores, apesar de não saber se eu os leio, sabe que os compro.
A cada duas ou três semanas mandam-me, pela internet, ofertas de livros que “se enquadram” no perfil que eles têm de mim.
Por um lado, maravilhas da tecnologia moderna, por outro a nudez total.
E o pior, todos se arvoram o direito de saber todas essas coisas a nosso respeito. Fora o que optamos por não revelar, o restante é fundamental para que possamos, simplesmente…viver.
Pare de pensar nas consequências para não enlouquecer, mas se quiser uma visão basicamente otimista de tudo isso, quando passar numa livraria compre (e pague em dinheiro enquanto ele ainda existe) o livro Numerati, de Stephen Baker (Editora ARX, 2009). Atenção: se você for comprar o livro pela internet na Livraria Cultura, vai ter que fornecer o seu número de CPF.
Li recentemente na imprensa que vários candidatos a postos eleitorais nas próximas eleições guardam dinheiro em espécie em casa. Nossa primeira tentação é achar que são desonestos, mas quem sabe eles não têm razão?
Faltou uma coisa: apareça com muito dinheiro em algum lugar e prepare-se — todos farão muitas perguntas.
A privacidade acabou. E tudo indica que foi para o mal, e não para o bem.
(Publicado em “OrdemLivre.org”)
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