A crise entre governo e Congresso em torno da articulação política para apoiar as mudanças na Previdência e o mal-estar criado pelo projeto de reestruturação da carreira dos militares , que foi uma contrapartida exigida pelas Forças Armadas para mudar as regras de seu regime de aposentadoria , elevaram o risco de uma desidratação da proposta de reforma da Previdência. O maior temor da equipe econômica é que haja concessões nas regras de transição dos trabalhadores do INSS e servidores civis, consideradas mais duras que as das Forças Armadas.
Essas regras são o item mais importante da PEC e podem resultar, se aprovadas como estão, em redução de gastos com os benefícios de, no mínimo, R$ 200 bilhões em dez anos, ou 20% da economia prevista com a reforma no período. Um eventual recuo nesse ponto é considerado “um desastre” pelos técnicos. Fontes do governo avaliam que este e outros três pontos sensíveis do projeto podem ser flexibilizados, devido à resistência dos parlamentares. Juntos, eles resultariam em economia de R$ 300 bilhões em uma década.
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Os outros três pontos mais suscetíveis a pressões são as mudanças nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos da baixa renda (economia de R$ 30 bilhões); as alterações nas aposentadorias de trabalhadores rurais (R$ 30 bilhões) e o aumento das alíquotas previdenciárias dos servidores públicos federais para até 22% (R$ 29,3 bilhões).
O projeto que trata da Previdência das Forças Armadas prevê o aumento do tempo de serviço de 30 anos para 35 anos para quem acabou de ingressar na carreira. A regra de transição prevê que os demais militares pagarão um “pedágio” de 17% sobre o que tempo que falta para serem transferidos à reserva. Ou seja, quem está a 10 anos de ir para reserva teria de ficar na ativa por mais 11,7 anos (10 anos +17%). Já no caso dos trabalhadores do setor privado, o pedágio é de 50% e, ainda assim, somente para quem está prestes a se aposentar e pode requerer o benefício por tempo de contribuição — os outros trabalhadores têm regras de transição diferentes.
Aumento de gratificações
A proposta de mudança nas aposentadorias dos militares também prevê aumento da alíquota de contribuição de 7,5% para 10,5% e obrigatoriedade de recolhimento de pensionistas e alunos em escola de formação. Mas os ganhos obtidos serão praticamente corroídos se aprovada a reestruturação da carreira, que prevê a criação e ampliação de gratificações. Essas e outras concessões fizeram a projeção de economia com o projeto cair de R$ 97 bilhões para R$ 10,45 bilhões .
— Isso abre um precedente perigoso para a negociação com os servidores civis. Em analogia ao que aconteceu com os militares, eles podem dizer que aceitam pagar um percentual maior (alíquota da Previdência), desde que tenham aumento salarial para compensar — afirmou o economista Fabio Giambiagi.
Segundo o Tesouro Nacional, a despesa com pessoal ativo nas Forças Armadas passou de R$ 19,2 bilhões, em 2013, para R$ 27,3 bilhões em 2018 — alta de 42%. Caso o projeto seja aprovado, esses gastos vão subir ainda mais, porque a revisão das gratificações será estendida a quem já está na inatividade.
Para Felipe Salto, da Instituição Fiscal Independente (IFI), o projeto dos militares, do jeito que está, vai quase anular a economia que seria obtida com as novas regras:
— O impacto de R$ 10 bilhões não é nada do ponto de vista fiscal.
Paulo Tafner, especialista em Previdência, reconhece que os salários das Forças Armadas estão defasados. No entanto, avalia que a reestruturação da carreira foi encaminhada na hora errada:
— Meu maior temor é que haja uma desidratação enorme na PEC — disse Tafner.
O receio é compartilhado por analistas de mercado, que preveem novas baixas na Bolsa e impacto sobre o ritmo de crescimento da economia, se feitas muitas concessões para aprovação da reforma.
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Professor do Ibmec e economista da Órama, Alexandre Espírito Santo avalia que a Bolsa pode ter novas perdas, caso a troca de farpas entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), permaneça. No sábado, Bolsonaro afirmou, após críticas de Maia de que o governo não estaria se empenhando pela aprovação da reforma, que “a bola estava com o Parlamento”:
— O país só voltará a ter empregos se a reforma aprovada não for muito desidratada.
Fonte: “O Globo”