Duas pesquisas divulgadas ontem sobre a receptividade na Câmara da reforma da Previdência mostram um ambiente volátil, em que a ênfase é uma posição ambígua dos parlamentares quando se trata de apoiar a reforma: a maioria apóia em tese, mas há muitos questionamentos que precisam ser dirimidos pelo governo, até mesmo sobre a idade mínima.
A pesquisa da consultoria Arko Advice, feita com 109 deputados federais de 25 partidos políticos entre os dias 26 e 28 de março, mostra uma piora na avaliação do governo. Aumentou 50% o número de deputados que consideram o governo de Jair Bolsonaro ruim ou péssimo, de 22,95% em fevereiro para 33,95% dos entrevistados hoje.
Para se ter uma idéia da relação conturbada entre Executivo e Legislativo, nada menos que 60,55% a classificam como ruim ou péssima, um aumento considerável de três vezes e meia em relação à última pesquisa, quando esse índice estava em 17,4%.
Embora a reforma da Previdência continue tendo o apoio da maioria, caiu de 68,8% para 55,96% o percentual dos deputados que afirmam ser favoráveis a ela. Aumentou também de 39,5% para 52,29% de fevereiro para março o percentual contrário à idade mínima de aposentadoria de 62 anos para mulheres e 65 anos para homens.
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Esse é um dos pontos mais delicados da reforma, que hoje já tem uma maioria contrária nesse universo que representa 20% da Câmara. Como se esperava, 76,14% são contra as mudanças no Benefício de Prestação Continuada (BPC), que dá um salário mínimo para os idosos a partir de 65 anos em condição de miserabilidade, com renda mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, e inválidos, sem limite de idade. O governo quer passar a idade mínima para o recebimento desse beneficio para 70 anos.
Uma compensação seria que entre 60 e 69 anos os que se enquadram na categoria receberiam R$ 400. Outro ponto de discórdia é a aposentadoria rural, que tira dos sindicatos a comprovação do tempo trabalhado no campo, criando um Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS) para segurados rurais, que seria alimentado pelas prefeituras. O objetivo é coibir as fraudes.
Além de apenas 3% dos agricultores estarem cadastrados, há desconfiança de que esse cadastramento dará margem a manipulação política por parte dos políticos regionais, notadamente os prefeitos.
O projeto de aposentadoria para os militares é considerado por 59,64% ruim ou péssimo, sendo que 59,63% discordam também da reestruturação da carreira da categoria.
Já o site jurídico JOTA ouviu 200 deputados, cerca de 40% da Câmara, e 53,2% acham que a reforma da Previdência a ser aprovada pelo Congresso resultará em economia menor do que o trilhão de reais nos próximos 10 anos, definido como a meta mínima pelo ministro da Economia Paulo Guedes. Só 14,9% dizem que a economia será maior, e outros 31,9% que será igual.
O prazo dado pelo governo, aprovar a reforma ainda no primeiro semestre, é considerado viável apenas por 6% dos entrevistados. Outros 32% dizem que ela pode ser aprovada no primeiro semestre, mas no final de junho. 45% dos deputados ouvidos acreditam que a reforma da Previdência será aprovada no Congresso entre julho e setembro deste ano, e outros 13% somente no quarto trimestre, entre outubro e dezembro. Os 4% mais pessimistas dizem que a reforma da Previdência só será aprovada a partir de 2020.
Com o ambiente político ainda conturbado, apesar dos sinais de que tanto o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, quanto o presidente Jair Bolsonaro estão dispostos ao diálogo, o presidente passará a conversar com as bancadas estaduais em busca de votos, e mandou um recado de Israel: a reforma não pode ser desidratada, termo usado pelos os políticos para se referir a uma desfiguração da proposta.
Há muito tempo o presidente Bolsonaro não emitia opinião tão afirmativa sobre a reforma da Previdência, que já admitiu que o incomoda, embora a entenda imprescindível, ao contrário do tempo em que votava, como deputado federal, contra as iniciativas de todos os governos.
Até mesmo um esdrúxulo pacto entre os três poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário está sendo negociado, em apoio à reforma da Previdência. Estranhável que o Judiciário, através do presidente do Supremo Tribunal Federal Dias Toffoli, faça parte desse pacto, já que o STF certamente receberá várias contestações, seja qual for a reforma aprovada.
Fonte: “O Globo”, 02/04/2019