O presidente Bolsonaro perde o foco com facilidade. Em vez de discutir políticas públicas para promover o crescimento e atacar o desemprego elevado, ele voltou a criticar o IBGE pela metodologia de apuração da taxa de desemprego. Ele afirma que seria feita para “enganar a população”, sugerindo que o quadro é melhor do que o indicado.
Qualquer que seja o patamar “verdadeiro” do desemprego, o fato é que a sociedade sente na pele as dores de uma economia que pouco cresce. O medo do desemprego é elevado e os consumidores se mantêm pessimistas neste início de ano.
A taxa de desemprego é apenas uma métrica, e que atende às recomendações e aos padrões internacionais. Não se trata de ser verdadeira ou falsa. Como qualquer métrica, tem suas limitações. De fato, ela não permite uma visão completa do que ocorre no mercado de trabalho. Por isso especialistas analisam o desemprego sob vários ângulos. O time econômico certamente o faz. E o retrato não é nada bom.
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A taxa de desemprego é a razão entre pessoas sem trabalho e procurando emprego em relação à força de trabalho. Se a pessoa não está trabalhando, mas também não está procurando trabalho, ela não entra na estatística.
Em períodos de mercado de trabalho ruim, com pouca oferta de vagas, observa-se que parcela dos trabalhadores deixa de procurar emprego, pois acredita que a probabilidade de encontrar algo é muito baixa. Não valeria a pena o esforço.
Conforme o mercado de trabalho começa a melhorar, esta probabilidade aumenta e o grupo de desalentados retorna ao mercado procurando emprego e pressionando a taxa de desemprego. Ou seja, mesmo com o aumento da oferta de vagas, o desemprego recua lentamente, pois há mais pessoas procurando trabalho. A chamada taxa de participação (parcela da população em idade ativa que está no mercado de trabalho, tanto ocupada, como desocupada) aumenta.
A taxa de participação está apenas ligeiramente acima da média histórica. Aliás, ela caiu desde o pico recente em outubro. Fazendo um cálculo alternativo da taxa de desemprego, assumindo a estabilidade da taxa de participação, observa-se números próximos ao da estatística oficial e até uma piora do indicador recentemente, segundo cálculos da AC Pastore & Associados. A bronca do presidente não se justifica.
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Os resultados dos últimos meses indicam deterioração adicional do mercado de trabalho. A crença de muitos de que o fim da eleição iria contribuir para dar um “empurrão” na economia não se concretizou. O número de desalentados é significativo. São 4,9 milhões de pessoas ou 2,8% da população em idade ativa. Valor recorde na série iniciada em 2012.
Ainda, a Organização Internacional do Trabalho recomenda ampliar o grupo daqueles que deveriam ser considerados desempregados, considerando também os subocupados por insuficiência de horas trabalhadas. Neste caso, a taxa de desemprego estaria acima de 18,5%, e não na casa atual dos 12%.
Os jovens são bastante prejudicados. A taxa de desemprego dos indivíduos entre 18 e 24 anos está acima de 26%. A falta de perspectivas é veneno para esta faixa etária. Não seria exagero afirmar que, com a crise prolongada, temos uma geração perdida.
O desemprego da população adulta preocupa também, e muito. São arrimos de família. A perda de emprego do chefe de família afeta os demais membros. Os números são ruins. Ainda que a taxa de desemprego dos que têm entre 40 e 59 anos seja mais baixa, de 7,5%, o contingente é grande. Representa quase 23% dos desempregados.
O governo vai completar seus 100 dias. Não se identificam ações para suavizar o sofrimento dos desempregados no curto prazo ou agenda de longo prazo para geração de empregos. Será que teremos novidades adiante ou irá prevalecer o que hoje se vê no discurso oficial, que dá ênfase a temas irrelevantes ou secundários, sem a devida preocupação com o desemprego?
Fonte: “Estadão”, 04/04/2019