Numa ocasião, em meados da década atual, numa palestra no IBMEC da Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, o economista Gustavo Franco, um dos mentores do Plano Real, chegou a argumentar que os debates sobre os grandes temas da macroeconomia estavam, aos poucos, sendo superados. Disse ele que estes problemas já estavam devidamente “enquadrados”, não havendo mais porque se mobilizar tanto. Ele se referia ao debate acadêmico à nível mundial.
A agenda em torno de problemas microeconômicos era mais importante. Isso porque o desafio era como tornar as economias mais eficientes, como elevar a produtividade do capital e do trabalho, como agilizar os processos e estruturas, como tornar as rotinas menos pesadas e imprevisíveis.
No Brasil, a inflação parecia estabilizada, assim como as variáveis câmbio e juro em processo, dado o arcabouço institucional criado, com o Banco Central autônomo, o Sistema de Metas de Inflação vigente, os comunicados variados, como as atas e os Relatórios Trimestrais, a atuação pontual no mercado cambial, as reservas em patamar confortável, etc. Tudo isso parecia indicar que pelo lado monetário-cambial, os problemas estavam bem encaminhados, mas uma coisa continuava a preocupar, a gestão fiscal.
Gustavo tinha deixado de lado, ou esquecido de comentar sobre os desafios fiscais, que já demandavam na época alguma ação do governo de então, da “presidenta” Dilma, até porque, em franca os dados fiscais seguiam em franca deterioração. Na verdade, logo depois tivemos a farra do crédito subsidiado e a decisão pelas “pedaladas”, o que tornou este debate ainda mais urgente. Entre 2012/13 e 2018 a dívida bruta deu um salto de 51% do PIB para mais de 77%. Nos dias de hoje, ao contrário dos anos 80 e 90, quando a preocupação transitava mais em torno de como debelar a inflação, a agenda que se impõem diz respeito a como estabilizar a dívida pública. O debate em torno de “Orçamento de base zero” anda na ordem do dia, assim como o “teto das despesas”, com especial atenção para as com pessoal e benefícios previdenciários. Enfim, há a necessidade também de um arcabouço institucional, que também permita mais regras e disciplina para a evolução das despesas públicas.
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No passado, o grande debate era saber ao certo os limites para a política monetária. A partir dos choques de oferta dos anos 80, do recrudescimento da inflação nos EUA e das “respostas pesadas” de Paulo Volcker, então presidente do Fed em 1979, consideradas discricionárias, o mercado e a academia passaram a se questionar se não seria melhor a criação de regras pré-estabelecidas, evitando assim sustos ou solavancos. Deste debate surgiu a adoção de regras para a política monetária, reduzindo a volatilidade da atividade e impedindo surtos inflacionários.
Segundo Monica de Bolle, do Peterson Institute, a ideia era que “na presença de discricionariedade, qualquer comprometimento da autoridade monetária com a estabilidade inflacionária estaria sujeito a problema de “inconsistência intertemporal”. O compromisso poderia ter validade hoje, mas a tentação de garantir nível mais alto do PIB e do emprego nos períodos seguintes levariam a autoridade monetária a abandonar em parte seu compromisso desde que tivesse liberdade de ação para tanto. Para resolver o dilema intertemporal, argumentava-se, a adoção de regras era imprescindível. Com uma regra explícita, os Bancos Centrais estariam mais amarrados aos seus objetivos, superando a tentação natural de sucumbir ao excesso de expansionismo monetário”.
Segundo ela, “as autoridades responsáveis pela política fiscal têm alto grau de discricionariedade, qualquer compromisso que anunciem em relação à trajetória do déficit público ou à evolução da relação dívida-PIB sofrerá do mesmo tipo de inconsistência intertemporal. Dito de outro modo, em algum momento futuro, o compromisso com a rigidez fiscal será abandonado em favor de políticas expansionistas que promovam uma alta do PIB. Nesse contexto, a adoção de regras mais rígidas para a evolução das variáveis fiscais sob controle do governo – o gasto, já que a arrecadação depende do que está acontecendo com a atividade econômica em determinado momento – eliminariam a tentação de abandonar a prudência fiscal em favor de aumentos insustentáveis do crescimento”.
O problema é que alguma área de escape é necessária na questão fiscal, visto que em muitos casos, em crises severas, a única resposta a ser dada se dá pelo aumento das despesas e daí, da dívida pública, mesmo com limitações normativas. Sendo assim, a literatura acadêmica sobre regras e discricionariedade na política fiscal pode nos parecer frágil e contraditória.
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Nem sempre a adoção de regras é melhor do que ter liberdade de escolha. Geralmente, isso só é verdade quando o país em questão apresenta déficits e dívidas completamente descontrolados. Isso pode se aplicar ao caso brasileiro atual, com a dívida superando 77% do PIB e o déficit primário ainda elevado…
Ainda segundo Mônica de Bolle, “as regras são feitas não por maldade, mas para evitar que excessos futuros prejudiquem, mais uma vez, a parcela mais carente da população. Essa é a parte técnica do argumento”. No entanto, começa se tornar consenso que estas regras devem ser adotadas com algum escape para situações excepcionais. Não podem ser rígidas em excesso, pois na presença da incerteza “podem se tornar subótimas”.
Nos valemos, portanto, do exemplo dos regimes de metas de inflação, por ter faixas de tolerância, para cima e para baixo do contro da meta. Esta parece ser a melhor alternativa para o bom equilíbrio entre a regra e a liberdade de ação.