A paralisação das universidades marcada para hoje, em protesto contra o corte nas verbas orçamentárias, será o primeiro teste de rua do governo Jair Bolsonaro. Não é surpresa que venha do ambiente acadêmico, onde a impopularidade do governo é quase unânime.
Para Bolsonaro ser alvo nas universidades, nem seria preciso que a educação tivesse se tornado uma das duas áreas mais desastradas do governo (na outra, as relações exteriores, o Brasil lançou por terra em poucos dias a credibilidade reunida ao longo de décadas). Mesmo assim, o governo decidiu provocar.
Bolsonaro planta o que colheu ao escolher para liderar o setor nomes sem competência para exercer o cargo, movidos apenas pelo ressentimento ideológico e pelos aplausos das legiões de fanáticos, ignorantes e birutas que animam o bolsonarismo nas redes sociais.
Inútil, diante do festival de besteiras que assola o Ministério da Educação (MEC) desde o início do governo, tentar discutir o mérito do corte de verbas. É óbvio, para qualquer cidadão minimamente informado sobre o assunto, que o Brasil precisa transferir recursos da educação superior para o ensino fundamental. Mais óbvio ainda, que um corte linear de 30% nas verbas disponíveis (ou 3,4% no Orçamento total) não faz isso, além de ser uma medida que denota ignorância do gestor.
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Nas empresas, cortes lineares costumam ser aplicados por quem não entende nada do negócio. Diante da necessidade, o executivo apenas distribui a facada uniformememte, como se o critério da dor compartilhada pudesse ter algum sentido de Justiça. Saber cortar bem é um dos maiores desafios da gestão, privada ou pública.
O ministro Abraham Weintraub adotou o pior critério e criou uma nova – mais uma… – crise política no governo. Primeiro, anunciou o corte apenas para aquelas universidades que lhe parecessem criar “balbúrdia” (seja lá o que isso signifique). Depois, estendeu a todas, apenas para ser ontem desautorizado pelo próprio presidente.
Diante da pressão, Bolsonaro resolveu rever os cortes. Foi em seguida desmentido por comunicados do MEC e da Casa Civil. A Câmara dos Deputados, que convidara Weintraub a prestar esclarecimentos sobre o assunto, transformou rapidamente o convite em convocação.
Na semana passada, Weintraub passou ridículo ao levar barras de chocolate para tentar explicar os cortes diante das câmaras. Agora, deverá ser outra vez submetido a um questionamento duro, com inevitável saldo negativo para o governo.
Segundo ocupante do cargo em menos de cinco meses, Weintraub deveria se preocupar em enxugar as estruturas administrativas, estabelecer critérios de gestão e atribuir recursos com base nas medidas de produtividade acadêmica existentes.
Talvez fosse possível elaborar um projeto de fusão administrativa para as universidades federais, que gerasse em economia de recursos mantendo todos os cursos e linhas de pesquisas. Se não for, há dezenas de possibilidades de executar cortes com inteligência, sem degolar a produção de conhecimento ou afugentar pesquisadores.
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O critério jamais deveria ser linear, muito menos ideológico. Afirmar genericamente que “humanidades” têm menos consequência prática que “ciências” traduz um nível de ignorância incompatível com uma nação do século XXI. Reproduz um lugar-comum dos séculos XIX e XX e despreza o progresso no conhecimento desde no mínimo os anos 1960 (leia mais em minha coluna na revista Época).
O mais grave é a provocação política. Em nome do combate a fantasias como “marxismo cultural” ou “ideologia de gênero”, o governo lançou a faísca da revolta num ambiente naturalmente combustível.
Centros do combate à ditadura militar, defensoras históricas das liberdades fundamentais e dos direitos civis, as universidades se tornam agora foco de resistência a Bolsonaro. Manifestações e protestos nas ruas eram só o que faltava para coroar o festival de crises políticas criadas pelo próprio governo.
Fonte: “G1”, 15/05/2019