A divulgação do indicador de atividade do Banco Central (IBC-Br) mostrando queda de 0,68% no Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre levou a uma nova rodada de cortes nas projeções de como vai ser o desempenho na economia brasileira este ano. Há previsões de até 0,8%, como a do BNP Paribas, inferior ao 1,1% registrado em 2018. Com essa estagnação, o risco de nova recessão cresce, afirmam economistas. O corte de juros é um caminho apontado por analistas, que julgam que a taxa ainda estaria alta para fazer a economia crescer. Alguns defendem uma Selic de 5,75% no fim deste ano.
Já o governo avalia que não há bala de prata para reanimar a atividade a curto prazo e aposta nas reformas, especialmente na da Previdência, para fazer o PIB reagir. Enquanto isso, no entanto, prepara um plano para melhorar o ambiente de negócios. Mais de 40 ações estão sendo tocadas pelo Ministério da Economia. Responsável por cerca de 20 delas, o secretário de Política Econômica da pasta, Adolfo Sachsida, afirmou que o principal plano é aprimorar o mercado de crédito. O conjunto de medidas, cujo nome é inspirado na política liberal do governo Ronald Reagan, se chamará “Economia pelo lado da oferta”. Ele inclui ações para reduzir a rigidez do mercado e melhorar as garantias.
– Um proprietário rural hoje pode tomar um empréstimo de R$ 100 mil para comprar insumos e dar sua propriedade, que vale R$ 1 milhão, como garantia. Mas essa propriedade não pode ser dada como garantia em mais nada. Por que não? Isso tem que ser aperfeiçoado – disse Sachsida.
Também estão nos planos mudanças na tributação de debêntures incentivadas (que financiam empreendimentos em infraestrutura), de modo que o benefício do imposto seja dado a quem emite e não a quem compra esses papéis
– Hoje, o incentivo tributário está na ponta errada. Tem muita pessoa física entrando nisso, quando o ideal é que as empresas cresçam – comentou o secretário.
Risco de recessão
Além disso, o governo quer colocar em prática um fundo de aval fraterno para o setor rural, no qual pequenos produtores possam tomar financiamentos de forma solidária. Outra frente é aprimorar a utilização das regras de patrimônio de afetação (quando o patrimônio do fundo fica separado do da empresa) para fundos de Previdência.
– São medidas que não estimulam artificialmente a demanda, como ocorreu em governos anteriores. Isso jogou o Brasil na recessão. São medidas que melhoram o ambiente de negócios sem onerar os cofres públicos. É uma política liberal pró-mercado – afirmou Sachsida.
Em relatório, o Banco Fator informa que espera dois cortes na Taxa Selic, que encerraria 2018 em 6%. “A queda dos juros, caso repassada pelo sistema bancário, pode ajudar empresas a se refinanciarem e melhorarem seus balanços, ajudando na recuperação de alguma confiança”, afirma o texto.
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O Itaú Unibanco revisou a projeção para o PIB de 2019 de 1,5% para 1% e prevê queda de 0,2% no primeiro trimestre. Também reviu o desempenho de 2020 de 2,5% para 2%. Segundo Luka Barbosa, economista do Itaú Unibanco, os juros reais estão em um nível (6,5% ao ano) que não estimula a economia. Por isso, prevê corte de 0,75 ponto percentual na taxa Selic, que cairia para 5,75% até o fim do ano. Mas ele só vê queda dos juros a partir de setembro, após a aprovação da Previdência.
Barbosa considera boa a medida provisória da liberdade econômica, lançada no início deste mês pelo governo e que retira entraves à abertura de negócios, mas diz que os efeitos são de longo prazo:
– São medidas importantes, mas os impactos são de longo prazo. Não há uma medida de curto prazo que resolva as questões como um passe de mágica. É um pouco de tudo, aprovação da reforma (da Previdência), que aumenta a confiança; corte de juros, que ajuda o crédito.
Já Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos, não acredita em estímulo vindo de juros menores. Diz que os cortes feitos — a taxa caiu para menos da metade desde outubro de 2016, quando estava em 14,25% — não surtiram o efeito desejado na economia. E diz que é necessário melhorar a articulação política para reduzir a incerteza:
– Mesmo que o Banco Central encontre espaço para cortar juros, não vai ativar muito a economia. Ajudaria muito se o governo se mostrasse mais focado. Estamos num momento de ajuste fiscal, e o presidente Jair Bolsonaro fala em corrigir a tabela do Imposto de Renda e aumentar as deduções de saúde e educação, enquanto o governo pede ao Congresso mais recursos para pagar os benefícios. Erros que são cometidos no lado da política minam a confiança do empresário.
Segundo Zeina, o quadro é de estagnação, mas o risco de recessão não está afastado:
– O crescimento vai ser inferior ao do ano passado. O risco de recessão é concreto. Com crescimento tão baixo, a economia fica muito vulnerável a acidentes de percurso.
Segundo Sachsida, as políticas em estudo terão efeito gradual no desempenho da economia e na geração de empregos.
Efeito reduzido
O governo tem falado em liberar recursos das contas inativas do FGTS e do PIS/Pasep para ativar a economia, como fez o governo Michel Temer. O economista-chefe do Banco ABC, Luís Otávio Leal, porém, diz que, mesmo com essas medidas, a economia não vai deslanchar sem a aprovação da reforma da Previdência:
– Como sua aprovação (da reforma da Previdência ) ficou para o segundo semestre, a expectativa de retomada foi jogada para 2020. Essas medidas até podem ajudar, mas primeiro é preciso ultrapassar a montanha da reforma.
“Precisa ser feito um ataque frontal em todos os momentos à extrema pobreza. Isso vai ajudar
a economia. A desigualdade aumentou, o que joga areia nas engrenagens da economia.”
MARCELO NERI, DIRETOR DA FGV SOCIAL, Sobre medidas para reativar a economia
Segundo o economista, nesse cenário de incerteza, o empresário não investe nem contrata, e o consumo cai.
– Mesmo quem tem emprego consome como se estivesse desempregado, porque não sabe como será o dia de amanhã. Se liberar recursos do PIS/Pasep e do FGTS, as pessoas vão usar para pagar dívida ou vão economizar. E isso não movimenta a economia. Para Silvia Matos, da Fundação Getulio Vargas (FGV), a liberação de FGTS teve pouco impacto no PIB em 2016, mas fez subir o consumo das famílias:
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— O consumo cresceu 1,4%, mas são medidas paliativas. O que está preocupando mais é a falta de confiança de que o governo vai tomar as rédeas do que está acontecendo. O governo está sem rumo.
O economista Marcelo Neri, diretor da FGV Social, afirma que mais eficiente que liberar o FGTS é aumentar o Bolsa Família:
— O FGTS tem um quarto do impacto que tem o Bolsa Família na economia. O governo já anunciou 13º salário para os que ganham o benefício. Poderia antecipar esse dinheiro. Se o real estiver na mão do mais pobre, ele vai consumir mais.
Segundo Neri, a extrema pobreza cresceu 23% em 2015 e voltou a crescer 17% em 2017, quando a economia estava tentando se recuperar.
— Precisa ser feito um ataque frontal em todos os momentos à extrema pobreza. Isso vai ajudar a economia. A desigualdade aumentou, o que joga areia nas engrenagens da economia.
O economista Marcelo Kfouri, professor da USP, diz que acalmar o ambiente político é imprescindível para a economia voltar a crescer:
— É mais uma questão de não fazer do que fazer. Não gerar tanta crise e sair da frente para o setor privado produzir. A economia voltaria a funcionar se não vivêssemos uma crise atrás da outra. Isso cria muita insegurança. O poder no Brasil é dividido com o Congresso. A capacidade de ação depende de negociação.
Fonte: “O Globo”