Depois de muitos anos de estabilidade política, o cenário europeu se vê em rápida transformação. Os problemas se acumulam.
A retirada do Reino Unido continua sem solução. A crise só se agravou com a demissão da primeira-ministra Theresa May e com a ausência de uma perspectiva de negociação de Londres com a União Europeia. O presidente francês, Emmanuel Macron, que, com a saída da chanceler Angela Merkel, na Alemanha, poderia assumir um papel de liderança de modo a fortalecer a integração europeia, vê-se enfraquecido diante do movimento de contestação iniciado pelos coletes amarelos (gilets jaunes) e das posições divergentes de Berlim.
A eleição para o Parlamento Europeu, realizada no último dia 26, talvez a mais importante desde a primeira, em 1979, elegeu 751 representantes de 28 países. O resultado manteve a maioria com os partidos pró-Europa, mas indicou o continuado crescimento dos partidos que se opõem à União Europeia. Na campanha eleitoral ficou claro que a extrema direita surge como a grande beneficiária da disputa (ganhou na França, na Itália, no Reino Unido, na Bélgica e na Hungria) e seu fortalecimento indica que passará a dispor de maior influência. Os partidos nacionalistas e populistas alcançaram cerca de 25% e podem ter uma atuação de maior repercussão no Parlamento, o que fez Macron pedir que haja maior colaboração entre os partidos conservadores, socialistas e verdes para se opor ao grupo de forças anti-União Europeia. Com a atual Comissão Europeia e o Parlamento sendo renovados, um novo equilíbrio político deverá emergir.
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Essas novas tendências políticas podem ser explicadas pela crise nos partidos de centro e de esquerda e pelo crescimento dos partidos conservadores de direita, como ocorreu na Itália, na Hungria, na Polônia, na Espanha e na Suécia. E também pelo descontentamento da classe média e dos mais pobres com as políticas econômicas de seus países e com os resultados da globalização e pela ausência de liderança política justamente no momento em que se intensificam as tensões internas e pressões externas, com a crescente divergência entre Macron e Merkel.
Levando em conta o papel que a França e a Alemanha tiveram na criação da União Europeia (UE) e no seu desenvolvimento, não são de menor importância as divergências entre as lideranças dos dois países. Macron tem uma visão mais ambiciosa para o futuro da Europa, enquanto Angela Merkel é mais cautelosa. A proposta alemã de mudança do Parlamento Europeu de Estrasburgo para Bruxelas incomodou o líder francês. Ao contrário do presidente da França, que favorece uma ação mais ativa na área de defesa, até com a exportação de armamentos, Merkel opõe-se ao comércio de armas. E no tocante à economia, a primeira-ministra alemã defende a redução do déficit público, enquanto a França tem uma posição mais flexível com limites acima dos permitidos pela UE. Na área de negociação comercial, a França tem reservas quanto aos entendimentos com os Estados Unidos, deixando saber que não aceitaria a inclusão do setor agrícola, enquanto Merkel é a favor do acordo.
A instabilidade política parece, assim, ser o novo normal nas relações entre os países-membros da UE. A crescente onda nacionalista patrocinada pelos partidos de direita levará a ainda maiores restrições à entrada de imigrantes e ao aumento de ações antissemitas, como se viu recentemente na Alemanha. A busca de uma identidade nacional acima de tudo poderá, em médio prazo, pôr em risco a própria existência da UE. Steve Bannon, estrategista de Donald Trump nos EUA, está na Europa para acompanhar a eleição parlamentar e capitalizar esse sentimento com a formação de uma ampla coalizão da direita a que chamou The Movement. Com sede no mosteiro de Trevulsi, perto de Roma, o movimento luta pela civilização judaico-cristã, contra o ideário integracionista da União Europeia. Nesse contexto pós-eleitoral emerge como liderança forte, à frente da “grande coalizão”, Matteo Salvini, ministro do Interior da Itália, que deverá tornar-se a principal força da extrema direita no Parlamento Europeu.
Os governos dirigidos por partidos de direita e aqueles onde se registra um crescimento desses partidos (França, Alemanha, Holanda) terão de enfrentar cenários com novos desafios políticos e econômicos. Medidas erráticas de Trump, a crise com o Irã e a necessidade de definir uma posição favorável à manutenção do acordo que limita o programa nuclear iraniano para fins pacíficos e a questão Ucrânia-Rússia são alguns dos desafios das novas lideranças europeias.
A atual liderança europeia não tem sabido lidar com o gradual enfraquecimento do poder da Europa no contexto global, em vista da mudança do eixo político e econômico-comercial do Atlântico para o Pacífico e do novo polo de poder asiático sob a liderança da China. A ausência de um forte comando e de maior atenção aos problemas internos tem contribuído para isso.
Resta saber se o nacionalismo que a extrema direita deve promover dentro da instituição parlamentar de forma mais radical poderá representar uma efetiva ameaça às fragilidades da integração europeia. Se a escolha do novo primeiro-ministro britânico recair em Boris Johnson, o mais radical opositor da permanência do Reino Unido na União Europeia, as políticas mais duras de Londres poderão acrescentar um alto grau de imprevisibilidade nos próximos meses e anos ao cenário do Velho Continente, sobretudo se a saída se der sem um acordo negociado com Bruxelas.
O novo equilíbrio de forças no Parlamento Europeu influirá não apenas na política europeia nos próximos cinco anos, como também, e até certo ponto, no próprio futuro do bloco.
Fonte: “Estadão”, 28/05/2019