O Brasil está passando por um momento de estagnação, reduzindo a expectativa da sociedade e do mercado com a volta do crescimento. Nos últimos anos, enfrentamos (e ainda não superamos) crises políticas, econômicas e sociais, com manifestações em série, baixo crescimento do PIB e alta taxa de desemprego. O setor de infraestrutura faz parte desse contexto e anda de mãos dadas com o momento do País. Nessa área, temos presenciado eventos preocupantes, principalmente nos últimos meses, que merecem uma reflexão cuidadosa.
No período de um ano, até abril de 2019, o número de usinas de etanol em recuperação judicial aumentou quase 20%. O processo mais emblemático foi o da Atvos, antiga Odebrecht Agro. Preocupa o fato de a Odebrecht ser a segunda maior produtora de etanol no Brasil, com nove usinas de açúcar e álcool no País, capazes de produzir 3 bilhões de litros de combustível. Os problemas financeiros da empresa podem atingir em cheio suas subsidiárias. Vide o caso da Braskem, que teve sua venda suspensa após a desistência da multinacional LyondellBasell. O evento tem impacto direto na Petrobrás, que também pretende se desfazer da sua participação na petroquímica.
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Parte desse resultado ruim do etanol é consequência da interferência do governo Dilma no preço dos combustíveis. O etanol perdeu competitividade e as empresas do setor acumulam prejuízos pela queda na margem de lucro e nas vendas. O resultado foi uma menor oferta de etanol e a retração de um mercado que se consolidou ao longo dos anos, chegando a atingir 40% de participação média nos veículos leves em 2014. Por isso, há que se ter muito cuidado de não criar mais insegurança regulatória e jurídica quando se quer autorizar a venda direta do etanol das usinas para os postos.
Preços do diesel e da gasolina praticados abaixo do mercado internacional inviabilizam a participação de agentes privados na importação, concentrando ainda mais o mercado nas mãos da Petrobrás. Desde o programa de subvenção, introduzido como resposta de curto prazo à greve dos caminhoneiros de 2018, os preços praticados pela Petrobrás para os combustíveis têm causado quase sempre impactos negativos nos importadores.
Ainda sobre os combustíveis, a recente resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) cria mais incertezas que certezas regulatórias e jurídicas, afinal no CNPE sentam oito ministros de Estado. A resolução decepcionou o mercado porque não sequencia as coisas, não apresenta um desenho regulatório para depois implantar as mudanças. Implantar todas essas medidas sem explicitar o modelo que queremos para o downstream pode causar tumulto e afastar investidores. A alta complexidade de um setor marcado pelo longo monopólio do refino exigiria, em primeiro lugar, se observar as consequências da venda das refinarias para depois pensar em mudanças na distribuição e revenda. O governo deveria se concentrar nas questões tributárias e no combate à sonegação, esses sim, temas que impedem a concorrência, a transparência e a atração de investimentos de qualidade.
No final de maio, a liminar do ministro Fachin suspendeu a venda da participação da Petrobrás na Transportadora Associada de Gás, com base na liminar anterior do ministro Ricardo Lewandowski, que vinculava a venda das estatais e suas subsidiárias à autorização do Congresso. Mesmo com o resultado da votação no plenário, que liberou a venda de subsidiárias sem a exigência de anuência do Legislativo, o episódio marcou mais um momento de instabilidade jurídica para investidores privados no setor.
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O Brasil precisa de uma agenda baseada no tripé investimentos, empregos e competitividade. Só assim afastaremos de vez o fantasma da volta de governos estatizantes e intervencionistas.
Hoje estamos vendo o risco de retrocesso na Argentina com a possível volta do kirchnerismo, resultado da incapacidade do governo Macri em gerar empregos e combater a inflação, que levou ao episódio recente de congelamento dos preços. Não podemos correr o risco de reproduzir no Brasil o Efeito Orloff: “Eu sou você amanhã”, que já nos atingiu no passado.
Fonte: “Estadão”, 15/06/2019