Nós vamos envelhecendo e ficando mais “curtidos”, mais cascudos, mais escaldados. Podemos dizer que já vimos de tudo nesta vida.
Eu, passados 54 anos, 26 anos como economista-chefe de uma que já foi a maior consultoria do país, tinha como missão trabalhar a informação, dar o meu parecer, analisar os fatos, até com certa habilidade. Hoje isso me permite um posicionamento com mais isenção e clareza. Não tive padrinho, ou quem me “adotasse” profissionalmente. Me fiz sozinho e “equidistante” de certas situações ou posições constrangedoras. Nuca fui um fundamentalista de mercado ou mesmo embarquei em alguma salada ideológica exótica.
Nestes anos todos convivi com várias situações limítrofes de mercado, vários governos passaram pelo meu “filtro de análise”. Presenciei os dois governos do FHC, os dois do Lula, o primeiro da Dilma, o segundo dela, no seu início, caótico, a transição do governo tampão do Michel Temer e agora o governo Bolsonaro.
Como economista não tenho pudores para afirmar que quem mais me agradou foi o ciclo do governo FHC e sua competente equipe de economistas, muitos egressos da PUC do Rio de Janeiro, onde iniciei parte da minha carreira como economista. Era um governo onde dava prazer de acompanhar o seu dia a dia. Reformas arrojadas, estabilização da moeda, várias crises cambiais enfrentadas com frieza, alguns desencontros e ao fim, o desgaste de oito anos. Gustavo Franco, Pedro Malan, Edmar Bacha etc; além do Ministro da Educação, Paulo Renato, todos muito capazes e competentes.
Foi deste time que “saiu do forno” o Plano Real, a maior revolução no conceito de combate à inflação, na época totalmente indexada, e que resistia há mais de 30 anos.
Tivemos vários planos de estabilização antes que não lograram o devido êxito, pelos vários erros de concepção pelo caminho. Muito se comenta sobre a excessiva heterodoxia destes, a contaminação política, entre outros fatores. No Plano Cruzado, por exemplo, sua concepção já começou errada, pelo uso do “congelamento”, além de uma política monetária passiva e quase inexistente, insuficiente para segurar a forte demanda inicial gerada pelo reajuste salarial excessivo no lançamento da nova moeda, além do congelamento por tempo excessivo. Um brutal desalinhamento de preços relativos e salários acabou ocorrendo, assim como problemas diversos de desabastecimento.
Mas voltemos ao Real.
Eu sempre digo que a equipe que formulou este plano merecia um Prêmio Nobel pela fantástica contribuição à nossa lúgubre ciência.
Várias reformas, algumas possíveis diante do sistema político nefasto, o tal “presidencialismo de coalizão ou de cooptação”, o nome que queiram dar, acabaram aprovadas. Privatizamos o sistema de telefonia, a CVRD etc. Não é necessário destacar os avanços destes setores depois de privatizados. Algumas empresas possuem capital em bolsa de valores. É só comparar. Possíveis erros, no entanto, podem ter ocorrido. Normal, diante da necessidade premente de reformas e diante das crises cambiais ocorridas, depois de 1997.
O Banco Central caminhou para se tornar independente diante dos avanços da “Regra de Taylor” no mundo e todo um arcabouço institucional no monitoramento das variáveis preço, juro e câmbio. Avanços notórios foram possíveis nesta área. Hoje podemos dizer que, fora alguns casos isolados como na Venezuela e na Argentina, o fantasma da inflação é algo “exorcizado” na maioria dos países da América Latina e em boa parte do mundo.
Findo o ciclo FHC, tivemos a ascensão do PT, da esquerda em 2002/2003. Num primeiro momento, todo a política econômica de FHC foi mantida. O ministro Antônio Palloci e o presidente do BC, Henrique Meirelles, em excelência, conseguiram construir uma boa gestão econômica, dando credibilidade ao mercado. O “tripé” fiscal, cambial e de inflação foi mantido. Pode-se afirmar, portanto, que o primeiro mandato do presidente Lula foi razoável. Não tivemos grandes estripulias ou barbeiragens.
Foi a partir da queda do ministro Palocci, no entanto, que as coisas começaram a degringolar.
Sobre isso, comentemos no próximo artigo.