Uma iniciativa meritória do Banco Central foi a publicação de diretrizes para a implantação do Open Banking. Consiste em que clientes possam acessar todas suas informações bancárias bem como visualizar as condições oferecidas, produto a produto, de qualquer banco, fintech ou outro ofertante. Passam a ter mais opções e informações para suas decisões. Com um aplicativo apenas, podem administrar suas finanças usando várias instituições.
É uma transformação considerável que torna o sistema mais competitivo e inclusivo. Induzirá à criação de novos produtos e empresas e à eliminação de subsídios cruzados. Faz parte da recém lançada Agenda BC#, que tem três pontos cegos que impedem de usufruir todos os ganhos potenciais do Open Banking.
Um é a opacidade, que é o oposto de transparência. Consiste na divulgação de informações claras, precisas e de fácil entendimento sobre produtos e serviços. É fundamental em todos os mercados, especialmente no financeiro, pois é um dos requisitos chaves para que sejam eficientes. As duas variáveis mais importantes na intermediação, taxa (preço) e valor (quantidade), são imprecisas, complexas e incertas.
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Uma mesma taxa tem significados diferentes. Ilustrando, se um gerente informa a taxa de 6%, pode se referir a uma aplicação em que a taxa é anual. Já para empréstimos, o padrão é usar a taxa mensal, portanto, os mesmos 6% mensais equivalem a 101,2% anualizados.
A cunha tributária quase nunca é informada. Nas aplicações, o imposto é descontado do rendimento que pode ser reduzido até 4,7% no exemplo acima. Nos financiamentos, o IOF é descontado do montante da operação, aumentando a taxa efetiva, em 15,7% ou mais, dependendo do prazo, e não aparece na demonstração de resultado do banco.
Em alguns financiamentos, há acréscimos da TAC – Taxa de Abertura de Crédito e do seguro prestamista, agravando as distorções. O fato é que as taxas e os montantes são imprecisos. O calendário também muda: há cálculos com dias úteis (252 por ano) em alguns casos e com dias corridos (365 por ano) em outros. O razoável é um só critério em tudo, para análises, estatísticas, comparações e decisões. É um caso único no mundo, mas há mais distorções.
Na Nota de Crédito do Banco Central, as imprecisões sobre taxas e montantes são incorporadas, há omissões importantes, divulgam-se taxas mês e taxa ano alternadamente e alguns critérios de cálculo são passíveis de críticas. Exemplificando, incluem-se pagamentos à vista com cartões como operações de crédito. Correspondem a 24,7% das concessões de crédito.
Na última Nota de Crédito, o Banco Central aponta que a taxa média para pessoa jurídica é 15,7% e o ICC – Índice do Custo do Crédito é 14,4%; para esse mesmo período, a Anefac (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade) divulga um valor de 50,4%. É mais do que o triplo e é uma estimativa com critérios rigorosos.
Simulações para qualquer nível de taxas e inadimplência indicam que a participação do governo é maior do que a margem dos bancos. Nos trabalhos sobre a margem de juros (spread), os valores da arrecadação são discordantes da tributação da intermediação financeira e subestimados.
Mais claridade teria efeitos benéficos no crédito, tanto para relacionamentos eficientes e justos, como para diagnósticos acertados dos problemas e das retificações a serem feitas. Analistas, jornalistas, acadêmicos e cidadãos entenderiam melhor a dinâmica do sistema, formariam diagnósticos mais precisos e usariam o sistema com mais conhecimento, o que induziria a avanços na intermediação.
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Outro ponto cego é a cunha bancária. É bizantina, são cinco tributos explícitos: IOF, IR, PIS, Cofins e CSLL, sobre quatro bases diferentes: juros, principal, prazos e lucro, mais os tributos não explícitos, como os compulsórios e os créditos tributários. Ao que se acrescentam os custos com a moeda remunerada, os tabelamentos e os direcionamentos. Consequentemente, o patamar mínimo das taxas no Brasil é demasiado alto e inconsistente intertemporalmente, sufocando a contribuição do crédito ao desenvolvimento do país.
O terceiro nó cego é a precificação do crédito. Cada instituição tem direito de atribuir o risco de crédito e de cobrar o que considerar mais adequado. Ao mesmo risco deveria cobrar o mesmo preço que não poderia ser mudado intempestivamente.
Exigir a divulgação de todos os produtos com preços, práticas de mercado e a inclusão explícita do risco nos financiamentos ajudaria o tomador entender o resultado de sua avaliação e escolher melhor, a aprimorar a alocação de recursos para quem empresta e ao supervisor detectar distorções.
É também necessária uma aferição e divulgação da qualidade dos modelos de crédito. As classificações de riscos informadas ao Banco Central têm distorções que podem ser corrigidas. A ausência de regras de precificação gera externalidades negativas. Causa a diluição de dívidas, prejudicando a qualidade das carteiras de crédito de todo o sistema.
A superação dos três nós cegos deveria ser incluída na Agenda BC#. Faria com que o Open Banking pudesse fazer uma transformação significativa. Implicaria modificações na estrutura bancária e em adaptações dos modelos de negócios das instituições, contribuindo para uma intermediação mais eficiente e inclusiva e adequada às necessidades atuais do país.
O momento é oportuno, desde que a economia voltou a crescer, a taxa Selic está num piso histórico, a relação crédito/PIB caiu em vez de aumentar e o número de empresas (5,4 milhões de CNPJs) e cidadãos (63,2 milhões de CPFs) inadimplentes está em patamares cada vez mais altos.
A economia está anêmica. O IBC-Br caiu todos os meses este ano, as expectativas de crescimento do PIB estão abaixo da metade do começo do ano. Uma oferta de crédito mais consistente e competitiva pode reverter esse quadro rapidamente. A implantação do Open Banking com a eliminação dos pontos cegos é uma oportunidade que pode fazer diferença.
Fonte: “Valor Econômico”, 28/06/2019